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Monday, 24 February 2020

DO NÓ GÓRDIO DE MINAS

DO NÓ GÓRDIO DE MINAS



As contas não fecham. Ou seja, os aumentos que estão sendo discutidos na Assembleia de Minas, inicialmente com a proposta do Governador Zema para os policiais e posteriormente adicionando outros setores, não fecham as contas  de Minas.  O Estado, já inviável pelo seu passado fiscal, sem nenhuma perspectiva de melhoria de sua economia, aumenta ainda o seu déficit fiscal além de qualquer limite sustentável.

Como o Governador permitiu que isso aconteça, só ele sabe. Por que seus secretários e políticos que o acompanham no governo concordaram com a loucura, só eles sabem. Ou não sabem. Só ele sabe porque cedeu à pressão dos policiais e só ele sabe porque permitiu que essa reivindicação virasse bola de neve. O fato é que da bola de neve estamos abaixo de uma avalanche fiscal e financeira que torna o Estado inviável. Inviável para as atividades econômicas, e inviável para o cidadão sequer poder viver. O Estado, que já cumpre seu papel com deficiência, não tem condição de cumprir mais nada.

Comecemos com a área de segurança. Não é a primeira vez que os policias mineiros se revoltam. Já tivemos greves, intervenção do exército e politização das reivindicações, até justas. A Polícia Militar de Minas, que era um exemplo de profissionalização, tornou-se nos últimos vinte anos um exemplo de inversão de hierarquia. Quem manda são os cabos e sargentos, que se transformaram em líderes políticos, e não os oficiais. A tropa obedece aos primeiros e não aos segundos. E não reconhece que é uma massa de manobra de oportunistas que enriquecem às custas de migalhas para a tropa. Eles hoje representam uma facção ou fração política mais poderosa do que a maioria do eleitorado. E no seu conjunto se negam discutir o seu papel na sociedade, inclusive nos privilégios que mantem a oficialidade em relação a outros setores da sociedade. Resumindo, uma situação caótica e perigosa em todos os sentidos, sejam políticos ou econômicos. 

Nesse caos que se criou com a discussão sobre o aumento das polícias, as soluções que estão aí na mesa não são soluções para a sociedade como um todo. O Governador, que foi o estopim do caos, que ainda pode ter revoltas dos policiais como estamos vendo no Ceará, não é hoje a liderança que leva a uma solução. E mais: os tecnocratas que o acompanham também não deram nenhuma solução para o caso. Os políticos estão esperando que tudo estoure para ocupar o espaço que esta ficando cada vez mais contaminado. Ainda há de se perguntar por que outros atores políticos estão esperando a bomba estourar. Notadamente o Tribunal de Contas do Estado, as cabeças brancas de judiciário, e os empresários. É impossível acreditar que os empresários podem concordar com esse caos, sabendo que a conta vai ficar para eles. 

Alguma solução terá que aparecer. Um governador que, eleito com 70 %  dos votos, após um ano cria um caos dessa natureza, devia no  mínimo ter o bom senso de tirar licença e permitir que entrem outros  atores que resolvam a questão. Aliás, se ele tivesse bom senso não só não teria feito o que fez, mas ia embora porque ele não tem liderança para resolver esse caos.

Minas nunca viveu uma crise institucional tão grave. Tão sem perspectiva para ser resolvida. De tão profunda divisão entre os interesses e visões de como gerir o Estado. O orgulho de Minas ter os políticos de primeira grandeza do país, patriotas e devotos brasileiros, foi para o brejo. A liderança  que devia ter surgido na última eleição ainda levou o estado para pior. Espera-se que surjam lideranças da sociedade civil e mesmo políticas que cortem esse no górdio, porque desamarrá-lo é totalmente impossível.

Stefan Salej

Sunday, 16 February 2020

DO GUEDISMO

DO GUEDISMO

Nas várias teorias de sucesso de políticos, existe  uma simples: onde não tem pão, todos brigam. Por pão. E por mais que analisarmos o primeiro ano do governo Bolsonaro, que tem um núcleo econômico guedista, chegamos a divergências quase insuperáveis em avaliações sobre se estamos bem ou não. Não estamos falando de meio copo cheio ou meio copo vazio. Estamos falando de quem tem o copo e quem não tem o copo. 

Uma mínima parcela da população, que tem dinheiro investido na Bovespa, que pertence aos mercados financeiros, em resumo que tem capital e participa do processo de economia liberal do guedismo, está rindo de orelha a orelha. Os bancos brasileiros, que demitiram muita gente no ano passado, tiveram, com a queda dos juros, um lucro de fazer inveja a qualquer membro de Wall Street  ou da City londrina. Não tem banco mais lucrativo do que o brasileiro no mundo. E isso num país cuja Importante parcela da população não tem nem emprego e nem condições mínimas de vida.

Uma parte do agronegócio também foi muito beneficiada pelo mercado internacional. Basicamente não o produtor, mas a indústria e o complexo comercial exportador. O fazendeiro, veja por exemplo os cafeicultores, continua com preços aviltados e com dificuldades . 

Não há um sucesso econômico igual para todos, nem quando a economia vai muito bem. O lumpenempresariat, a classe media empresarial e com ela também a classe de pequenos empreendedores, continua sofrendo com o fenômeno econômico mais antigo do mundo: a renda do brasileiro, mesmo com medidas dos governos temporais, não está crescendo. Temos uma distribuição de renda com um mercado de super-ricos (inclusive maiores investidores no exterior) e a absoluta maioria da população sem capacidade de consumir. A classe média está desaparecendo e a classe D, aumentando. Os dados de dezembro de 2019, que deveria ser um mês excelente de vendas no comércio, mostraram isso. A eles se juntam os dados incríveis de aumento de endividamento da população. E os juros, que caíram no Banco Central, não caíram  no varejo para provocar aumento de consumo e não só a migração da poupança para a especulação.

Os empresários apoiaram, e continuam dizendo que é melhor o bolsonarismo do o que petismo (o qual também  atônitos apoiavam). Mas, isso não vai bastar para dinamizar o crescimento econômico. O nível de emprego está crescendo, mas longe de provocar mudança significativa no crescimento do país. A reforma da previdência foi feita, mas os resultados nas contas públicas vão demorar. E outras reformas estão num caldeirão de discussões que levam a crer que não se pode contar com elas para aumentar os investimentos, gerar mais empregos e mais renda. 

O guedismo, que é um núcleo duro do governo, muito mais duro do que o núcleo militar (que by the way lhe dá guarita, como deu a Delfim Netto no passado, sem saber de que se trata), está convencido que eles estão certos, e que todos os outros estão errados. Falam o que querem, têm toda a liberdade de fazer o que querem, mas será que o modelo proposto gerou e vai gerar resultados, além da baixa inflação, que também esta cambaleando, que o país precisa? É impressionante a certeza  que o guedismo tem de que o que está fazendo está certo.

As ações que estão em curso nessa área têm efeito profundo na economia e nas finanças do país. E como são todas legais, porém com transparência complexa, também são muito boas para um pequeno número de pessoas do mundo financeiro.
A agenda financeira está em curso como poucas vezes antes no Brasil. Provavelmente, há uma agenda de modernização ao nível terciário do governo na área econômica também em curso. Esta vai aparecendo ao pouco, mas não substitui a reforma de gestão do estado e nem e principalmente a tributária.

O guedismo não ganhou a eleição. O bolsonarismo, sim. Por quanto tempo a agenda guedista vai sobreviver no seio de bolsonarismo, sem apresentar os resultados que eleitorado considera de fato suficientes para re-eleger o chefe de novo, ninguém pode responder hoje. Numa ruptura, os que forem sair, não sairão com prejuízo pessoal. Nem profissional e nem financeiro. E uma eventual substituição não poderá ser  feita de uma pessoa, mas de troca completa do guedismo por um outro modelo que poderá dar certo. O custo político vai ficar para governo, e a conta, para o povo.

Saturday, 1 February 2020

DO MUNDO DE 2020 DIFERENTE

DO MUNDO DE 2020 DIFERENTE


O que aconteceu neste janeiro de 2020, está difícil de explicar. Incêndios na Austrália, chuvas torrenciais no Brasil e na Ásia, são só parte da história. Três outros eventos estão  marcando a história deste século de forma indelével. O relacionamento do mundo com a China, incluindo a guerra comercial e a epidemia de corona vírus, é o primeiro. O Brexit, ou a saída do Reino Unido da União Europeia, é o segundo. Mas, não deixa de ser de menor importância o processo de impeachment do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Os três juntos guiam as mudanças globais que vão afetar Brasil, independentemente de nossa atenção maior ou menor com o que acontece.

Os Estados Unidos concluíram dois acordos comerciais neste janeiro. Com a China, que prejudica enormemente as exportações brasileiras de produtos agrícolas (aliás, fora do minério de ferro, as únicas exportações que temos para lá) e reorganiza parcialmente as relações entre as duas superpotências. E outro acordo  reestruturado após 25 anos, com o México e o Canada, que se chamava NAFTA. Os dois acordos trazem um pouco de calma no comércio internacional, mas não indicam uma clara tendência de volta ao comércio global como base de sustentação do comércio e do desenvolvimento da economia mundial. São antes de mais nada uma vitória política do Presidente dos Estados Unidos, que insiste que as regras do comércio mundial têm que aparentemente beneficiar e não prejudicar os Estados Unidos. Como se até agora fosse diferente.

Na relação China-Estados Unidos, as complexidades continuam. De fato, o modelo econômico norte americano é de aliança industrial com China e também acesso a um mercado quatro vezes maior  do que o dos próprios Estados Unidos. Estados Unidos e China cresceram até agora porque a aliança que havia sido feita funcionou. Os Estados Unidos,  derrotados  militarmente várias vezes pela República  Popular da China, se beneficiaram com essa associação. Mas parece que subestimaram a capacidade da China de aproveitar da situação para se tornar a segunda maior economia do planeta e uma séria ameaça aos Estados Unidos, inclusive no campo militar.

E aí aparece o corona vírus. Do ponto de vista epidemiológico, nada de muito novo. Tivemos no século passado a gripe espanhola, mais recentemente a febre amarela, ebola, gripe comum, tuberculose, AIDS, SARS, gripe suína, zica e mais alguma coisa. O fato é que o corona vírus está fechando fronteiras econômicas que ainda não havíamos visto. E afetando diretamente a segunda maior economia do mundo, a chinesa. E se não bastasse no ano passado a peste suína na China, que aliás nos beneficiou muito em exportações de carne, o corona vírus não esta limitado à China, mas está se espalhando pelo mundo afora.

O cínico Trump disse que isso é muito bom porque agora as fábricas vão ficar nos Estados Unidos. O fato é que de repente a China ficou isolada por terra, ar e mar. O governo chinês vai conseguir controlar a situação, apesar do desconhecimento científico do que está acontecendo. A ditadura do proletariado pode ter neste momento essa vantagem no combate ao vírus. Mas o contágio já esta em curso e não sabemos a sua extensão. E só falta a notícia que mata tudo, de que o vírus se espalha também com certo tipo de produtos.

A saída do Reino Unido da União Europeia é uma mudança na geopolítica mundial. A Europa fica enfraquecida, o Reino Unido menor sem a Europa, e os grandes como os Estados Unidos, Russia e China, maiores, com a Europa menor.

Last but not the least, está o processo de impeachment do Trump. Ele está salvo, mas a democracia, não. Ele recebeu, e com ele todos os presidentes eleitos, certificado de que não há limites no executivo para se manter no poder. Eleito, pode tudo. O balanço do poder morreu. O sistema democrático que tinha como base um equilíbrio mutável dos poderes, mudou. E se muda nos Estados Unidos, muda no mundo inteiro.

Assim, o mundo  está diferente. Sem falar em mudanças tecnológicas.

Sunday, 5 January 2020

DE EXPORTAR MAIS E IMPORTAR MAIS

DE EXPORTAR MAIS E IMPORTAR MAIS

Qualquer análise isenta do comércio mundial indica que o saldo da balança comercial brasileira do ano passado, de 46.6 bilhões de dólares, é digno de aplauso. Independentemente do fato de ser menor do que em 2018 em 58 bilhões de dólares, ainda é um número respeitável. Mesmo o Brasil participando pouco do comércio mundial, 1 %, e nossas importações representarem pouco no PIB, são números expressivos. Mas, o que importa mesmo é de um lado a perspectiva para os próximos anos e de outro lado o balanço de pagamentos e reservas cambiais.

Os dados finais do balanço de pagamentos ainda não foram divulgados, apenas o referente a novembro de 2019. Indicam um déficit de 51 bilhões de dólares. Somos deficitários na área de serviços e viagens e pesam muito remessas de lucros, juros, aluguel de equipamentos e, em menor escala, transportes. Por outro lado, houve um ingresso de capitais estrangeiros de 69,1  bilhões de dólares. E, para concluir os dados, nossas reservas internacionais foram de 366.4 bilhões de dólares. A essas reservas podem-se somar outros 500 bilhões de dólares das pessoas físicas que os brasileiros levaram para investir fora do país e que não fazem parte das reservas oficiais.

Ainda há a dívida externa. O Brasil devia em fevereiro de 2019, 319 bilhões , mas a grande divida não é do governo brasileiro, e sim do setor privado que, aproveitando os  juros baixos e o câmbio estável, se endividou no mercado internacional. Por alguns cálculos, que podem nāo ser exatos, esta dívida ultrapassa os 500 bilhões de dólares.

O governo e o Banco Central, mesmo com deslize nas estatísticas do comércio exterior em novembro, “esquecendo” de somar  alguns bilhões de dólares na conta de exportações, pode-se dizer que tem dados, informações e técnicos confiáveis. Ou seja, temos tudo o que quem sabe escrever pode fazer. Agora, a leitura desses dados para os próximos anos é bem diversa. Para começar, comércio e relações econômicas internacionais não são um assunto nem de curto prazo e nem para ignorar que elas não se chamam à toa internacionais. Os fatores externos são determinantes nessas relações. É o mundo que determina as condições como você se move nessa esfera e não você.

A euforia de que tudo está maravilhoso deve ser urgentemente substituída pela racionalidade e visão de longo prazo do mundo em que vivemos e com o qual nos relacionamos.

A politica externa, seja ela diplomacia presidencial, ou exercida pelo Itamaraty e outros atores, deve ter em vista os resultados nas nossas contas externas. Essas contas dependem do aumento de exportações, de acordos internacionais implementados e de investimentos estrangeiros. No ano passado, a volatilidade na nossa política externa, sejam nossas posições em relação ao meio ambiente, Oriente Médio, relações com China e Estados Unidos ou as relações com Argentina, se sobrepuseram à vitoriosa negociação com a União Europeia. Sem falar da Venezuela.

O nosso aumento de exportações esbarra num problema simples: exportar o que para quem. Nossa base produtiva, mesmo Agro Pop tão cantado aos quatro ventos como grande sucesso, é fraca e ninguém responde se podemos exportar por exemplo este ano 224 bilhões, como no ano passado, ou 250 bilhões. No ano passado, se a desgraça não atingisse com a crise de carne a China, de quanto teria sido a nossa exportação? Sem dúvida, bem menor. Como exemplo, São Paulo não possui um plano de exportações  paulistas nem para este e muito menos para os próximos anos. O governo paulista abriu escritórios na China e nos Emirados Árabes, mas para trazer investimentos e não para aumentar as exportações. Então, imagine no resto do país.

A propagada de abertura do país, que quer dizer mais importações, só terá sustentabilidade se tivermos dólares para pagar. É o  caso de viagens internacionais. Brasileiro só viaja ao exterior porque compra dólares livremente. E de onde vem o dólar mais sustentável para a economia? Das exportações.

E para exportar precisamos ser competitivos, o que não nos leva só à questão do chamado custo Brasil, câmbio, reformas, educação, mas principalmente ao atraso tecnológico que o país vive. E também quem são os exportadores, com que produtos, para que países.

Não se pode baixar a guarda e nem se comportar de forma amadorística, nem com euforia. Está mais do que na hora de aceitarmos como premissa básica que sem exportações não há estabilidade  monetária do país.

Monday, 16 December 2019

DO ANO NOVO CHINES

DO FIM DO ANO CHINES

O principal jogo dos chineses é GO. É um jogo de tabuleiro inventado há 2500 anos, ou seja 2000 anos antes da descoberta do Brasil,  jogado por dois jogadores. Num jogo abstrato de estratégia, ganha quem conquista mais território no tabuleiro. E todas as informações disponíveis dizem que é um dos mais complexos jogos existentes. Até mais do que o xadrez que pelo menos nós ocidentais consideramos muito complexo.

A referência a GO veio à tona agora que os dois governos, da China e dos  Estados Unidos, declaram trégua na guerra comercial e dizem que concordam que os Estados Unidos não apliquem tarifas adicionais em compras de produtos chineses no valor de 360 bilhões de dólares (o que representa umas vez e meia das exportações brasileiras anuais).Os chineses também concordaram em aumentar as compras de produtos americanos, em especial agrícolas, no valor de 50 bilhões de dólares. E mais , produtos farmacêuticos, petróleo, e outros manufaturados. E se comprometeram em  não manipular a moeda, não subsidiar empresas estatais e respeitar patentes e propriedade intelectual das empresas americanas.

No meio do jogo, os americanos mandaram de volta alguns espiões chineses, (aliás nos estamos convencidos que no Brasil não há ativo serviço de inteligência chinês),restringiram o movimento dos diplomatas chineses nos Estados Unidos,  deram um grande golpe na Organização Mundial do Comércio, não nomeando os árbitros (o que inviabiliza as disputas comerciais entre os países  e torna o comércio uma selva), mas  os chineses também fizeram de Trump o aparentemente grande vencedor da disputa (ele também conseguiu aprovação do novo acordo com o México e Canadá) e forte candidato à re-eleição.

Como a guerra não era comercial, apesar de que o comércio estava na pauta, a disputa entre os dois países está longe de ser resolvida. As tropas voltaram para os quartéis, afiando as baionetas para a próxima batalha. E a batalha é simples: ou  mudança do atual modelo de divisão de atividades  econômicas  (quem produz o que para quem) ou manutenção deste modelo de cooperação em condições diferentes das praticadas até agora e que levaram os dois países a se enriquecerem em níveis elevados, mas com a China se fortalecendo politicamente e, principalmente, militarmente,  além de ter tomado muitos mercados dos Estados Unidos, que não voltam mais para as empresas americanas.

Estas explicações batem no Brasil. Nos somos parte do acordo entre essas duas potenciais. Os chineses nos usaram para mostrar aos Estados Unidos que têm alternativa nas suas compras de alimentos. Os Estados Unidos perceberam, aliás nada difícil de se ver, e castigaram o Brasil na importação de aço com sobretarifa e avisaram que não vão permitir  a manipulação do cambio (como se houvesse).  Os chineses vão voltar a comprar nos Estados Unidos e reduzir as compras no Brasil. Somos mais competitivos do que os  produtores americanos, então, sem preocupação, dizem os leigos agro. Ledo engano, porque nem no campo somos tão competitivos como se alega e o comercio agrícola  internacional é  essencialmente um jogo politico-comercial-diplomático. E sorry agro business brasileiro, entre esses jogadores,  nos somos gandulas no campo de futebol da várzea. 

Alias, o próximo ano será nesse campo, de grandes  emoções. Se nos dependermos muito da entrada de capital chinês para equilibrar nossas contas externas, ao mesmo tempo que teremos que decidir a nossa opção pela adoção  do sistema 5 G, teremos que pensar muito em como equilibrar tudo isso. Não será nem fácil e nem divertido.

Não é que não fomos bem sucedidos até agora ou que houve incompetência, mas o jogo esta mudando. É bem mais  complexo e envolve todos os atores políticos e econômicos do país. Trump, gostando ou não dele, está sabendo jogar para o bem do seus constituintes. É sempre bom lembrar que países não tem amigos, mas interesses e alguns, nesse jogo, jogam GO e pôquer ao mesmo tempo.

Tuesday, 10 December 2019

DA FALTA DE QUE MESMO? CARNE?

DA FALTA DE QUE  MESMO? CARNE?

Não falta carne na mesa do brasileiro. É mentira que não tem carne na praça. Carne tem à vontade nos açougues, supermercados, nos matadouros municipais e clandestinos pelo país afora. Então porque tanta reclamação? 

Simples, não tem dinheiro para comprar a carne de boi, frango, e mais tantos produtos agrícolas, inclusive frutas e verduras. Os preços determinados pela lei de mercado, oferta e procura (alguém já queria eliminar essa lei, mas não conseguiu) subiram além da capacidade da maioria dos brasileiros de comprar. César esta nu, como conta a lenda. Esse choque de preços de produtos agro mostrou toda a fraqueza da nossa economia,  que tem um consumidor cada vez mais empobrecido e sem condições de comprar os alimentos que consome e que o mercado oferece.

Os 30 milhões de desempregados e sub empregados, e mais os outros, com salários congelados, são consumidores imaginários e não reais. Porque? Porque os produtos não alimentares, compram à prestação, pagam com cartão de crédito em n vezes, mas a feira e a comida de todo dia, não dá para comprar fiado. Ou quando comprar, tem que pagar em seguida. E para isso, enquanto os preços estavam estabilizados, o povo aguentava. Só não via a subida de preços na feira quem nunca foi lá. Mas agora, com a subida do preço da carne bovina em 40 % em pouco espaço de tempo, o balão de ilusão de que estava dando para aguentar estourou. E pelo jeito que os lideres do agronegócio anunciam, especificamente o presidente da Confederação Nacional de Agricultura, o preço da carne não volta para o  patamar anterior.

Sem entrar no mérito das grandes teorias econômicas, para cuja defesa e explicação não faltam doutores no país (inclusive educados no exterior), a certeza é que agora vai subir tudo. Atrás do boi vai o frango, arroz, milho, soja, verdura, feijão  e tudo mais. E começa também a pressão sobre salários, já que quem tem emprego também não consegue pagar a conta. Em resumo: voltamos à espiral inflacionária? Pela estatísticas não, mas recentemente o governo teve que corrigir os dados do comércio exterior, erros de digitalização, o que coloca dúvida sobre se não pode haver outros erros. E a outra pergunta que fica é se panelas vazias, desta vez de fato, vão ficar só em casa, ou vão sair  para a rua.

Nessa complexidade há alguns elementos que surgem para pensar sobre o assunto. Um deles é se os 232 milhões de cabeças de gado que temos no Brasil, com produtividade media de 1.8 bois por hectare (baixíssima em termos mundiais) atendem o mercado interno e externo. A mesma pergunta vale para todo o setor agrícola: a produção  brasileira é suficiente para garantir o abastecimento interno e mais atender à demanda externa? Os chineses garantiram, na crise que estão passando com a peste suína e outros problemas, o abastecimento de sua população. Isso para eles é prioridade e pagam o preço que for. O fato de nós entrarmos nesse jogo é normal, faz parte da economia de mercado, mas não é normal que outras medidas de salvaguarda do abastecimento interno não tenham sido tomadas. Ou que não fosse, na ânsia de vender e mais vender e atender os chineses, visto como vai ficar o trabalhador brasileiro que não tem dinheiro para se alimentar nos preços que estão aí.

Paradoxal é que o Partido Comunista chinês  (os chineses, que não queriam aprovar os frigoríficos brasileiros, de repente aprovaram  todos) cuida bem dos seus constituintes e nós estamos aqui na  democracia achando que o mercado resolve tudo. Talvez chegamos à situação russa, quando a Tzarina Catarina, ao lhe trazerem o  problema da fome do povo, disse que lhes dêem caviar. No STF já resolveram isso com lagostas. Bem, com manchas de óleo, também os peixes sumiram, só para não esquecer que temos mais um problema. 

Já faltou boi no pasto no passado, então lições não faltam. E agora falta observar como esse no górdio criado no agro vai ser desatado. Em  dezembro, com festas, férias em janeiro e carnaval em fevereiro, na porta e na mesa.

Stefan Salej

Monday, 2 December 2019

DO AGRO, DO CAMPO, DO BOI E DA VACA E DO BREJO


DO AGRO, DO CAMPO, DO BOI E DA VACA E DO BREJO

O agro brasileiro está hoje na crista da onda. Todos acreditam que,  sem as conquistas que o setor obteve nos últimos anos, o Brasil estaria quebrado. É o agro que está na moda, é Pop como diz uma emissora de TV, e está por cima da carne seca, como diz o povo.

Há muita verdade nisso, mas também é hora mais do que certa de analisarmos, no meio dessa euforia, qual será o futuro desse setor na economia brasileira. Aliás, para começar, a pergunta é qual é o modelo de desenvolvimento econômico e social que o país quer, sem ser um monte de declarações das autoridades estabelecidas e não estabelecidas e nenhum plano e com objetivos e resultados claros. Ou seja, não quanto vai crescer o PIB nesses cenários, mas quanto vai crescer a renda e diminuir a desigualdade, entre outros indicadores. Apesar de não termos um projeto claro na área econômica , temos que reconhecer que o setor agrícola é importante e, no momento, o que tem melhores perspectivas de crescer.

Bem, não nos esqueçamos da história, quando o Brasil já era uma potência agrícola, o caso da monocultura do café ou da borracha, e quando perdemos o mercado ou perdemos tudo. Uma revisão no auge do sucesso, alias algo que preconiza o professor Marcos Jank da Insper, é saudável, é absolutamente necessária. Se não pensarmos para a frente e muito para a frente e nos iludirmos que somos os melhores do mundo, que  por exemplo  a China acaba sem soja brasileira, o nosso futuro não existe. E aí vem a pergunta, o setor agrícola tem massa crítica para uma revisão dessas? Por exemplo, o setor industrial não teve essa capacidade. E aí está o resultado: 12 % do PIB brasileiro hoje representa uma indústria que já teve 35 % há vinte anos atrás.

O agro enfrentará os desafios tecnológicos e com eles também o problema da mão de obra. Não basta a re-estruturação da EMBRAPA, se o sistema de pesquisa no país como um todo, incluindo suas universidades, está em declínio. Pesquisa nessa área demora, custa muito dinheiro e precisa de gente. E hoje ela  é dominada pelas multinacionais, inclusive chinesas, e suas universidades com recursos intermináveis.

No quesito mercado, a verdade  é que não somos players com produtos industrializados ou até semi-industrializados.  Há há alguns exemplos na área de carnes brancas, mas longe de termos marcas que poderiam valorizar mais os nossos produtos. E também temos que levar em consideração o envelhecimento de população mundial, mudança  de hábitos de alimentação, e não final exigências cada vez mais rigorosas dos países compradores tanto no processo como nos produtos. Em resumo, num mercado onde nossas redes de distribuição dependem de empresas estrangeiras, somos muito mais comprados do que vendemos.

O setor que tem enorme potencial, também tem que ter políticas claras quanto ao meio ambiente. Não se trata só da Amazônia, trata-se de toda a cadeia produtiva no país inteiro. E negar que esse assunto não prejudica as vendas do setor no exterior é tapar o sol com a peneira. E aí vem também uma enorme possibilidade na área de produtos oriundos da biodiversidade brasileira. Por exemplo, o  açaí é muito mais lucrativo do que criar boi, e ainda não falamos do potencial da pesca, seja de água doce ou do mar. Para quem tem dúvida, basta lembrar do bacalhau de Portugal, que não o produz e vende com preços exorbitantes.

O setor tem sim, aliás no mundo inteiro, uma estreita relação com políticas governamentais. Mas, será que existe um planejamento do próprio setor, incluindo o governo? Por exemplo, na área de mão de obra para o setor (que aliás não é grande gerador de emprego), o que será feito no futuro? As fazendas precisam de engenheiros, especialistas em dados, analistas e claro todos os outros profissionais. Se depender dos governos, essa mão de não vai existir. E mais, o setor agrícola conversa com outros setores e coordena suas estratégias?

Dependendo só da China, comprando o que quer pelo preço que quer, não vamos muito longe no tempo. É bom lembrar as crises de café na década de 20 no século passado ou as crises de hoje na cafeicultura. Não se iludir com o sucesso de hoje e deixar de construir um futuro mais sólido. Ou como dizem os fazendeiros, não deixar a vaca ir para o brejo.

Stefan Salej