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Monday, 16 December 2019

DO ANO NOVO CHINES

DO FIM DO ANO CHINES

O principal jogo dos chineses é GO. É um jogo de tabuleiro inventado há 2500 anos, ou seja 2000 anos antes da descoberta do Brasil,  jogado por dois jogadores. Num jogo abstrato de estratégia, ganha quem conquista mais território no tabuleiro. E todas as informações disponíveis dizem que é um dos mais complexos jogos existentes. Até mais do que o xadrez que pelo menos nós ocidentais consideramos muito complexo.

A referência a GO veio à tona agora que os dois governos, da China e dos  Estados Unidos, declaram trégua na guerra comercial e dizem que concordam que os Estados Unidos não apliquem tarifas adicionais em compras de produtos chineses no valor de 360 bilhões de dólares (o que representa umas vez e meia das exportações brasileiras anuais).Os chineses também concordaram em aumentar as compras de produtos americanos, em especial agrícolas, no valor de 50 bilhões de dólares. E mais , produtos farmacêuticos, petróleo, e outros manufaturados. E se comprometeram em  não manipular a moeda, não subsidiar empresas estatais e respeitar patentes e propriedade intelectual das empresas americanas.

No meio do jogo, os americanos mandaram de volta alguns espiões chineses, (aliás nos estamos convencidos que no Brasil não há ativo serviço de inteligência chinês),restringiram o movimento dos diplomatas chineses nos Estados Unidos,  deram um grande golpe na Organização Mundial do Comércio, não nomeando os árbitros (o que inviabiliza as disputas comerciais entre os países  e torna o comércio uma selva), mas  os chineses também fizeram de Trump o aparentemente grande vencedor da disputa (ele também conseguiu aprovação do novo acordo com o México e Canadá) e forte candidato à re-eleição.

Como a guerra não era comercial, apesar de que o comércio estava na pauta, a disputa entre os dois países está longe de ser resolvida. As tropas voltaram para os quartéis, afiando as baionetas para a próxima batalha. E a batalha é simples: ou  mudança do atual modelo de divisão de atividades  econômicas  (quem produz o que para quem) ou manutenção deste modelo de cooperação em condições diferentes das praticadas até agora e que levaram os dois países a se enriquecerem em níveis elevados, mas com a China se fortalecendo politicamente e, principalmente, militarmente,  além de ter tomado muitos mercados dos Estados Unidos, que não voltam mais para as empresas americanas.

Estas explicações batem no Brasil. Nos somos parte do acordo entre essas duas potenciais. Os chineses nos usaram para mostrar aos Estados Unidos que têm alternativa nas suas compras de alimentos. Os Estados Unidos perceberam, aliás nada difícil de se ver, e castigaram o Brasil na importação de aço com sobretarifa e avisaram que não vão permitir  a manipulação do cambio (como se houvesse).  Os chineses vão voltar a comprar nos Estados Unidos e reduzir as compras no Brasil. Somos mais competitivos do que os  produtores americanos, então, sem preocupação, dizem os leigos agro. Ledo engano, porque nem no campo somos tão competitivos como se alega e o comercio agrícola  internacional é  essencialmente um jogo politico-comercial-diplomático. E sorry agro business brasileiro, entre esses jogadores,  nos somos gandulas no campo de futebol da várzea. 

Alias, o próximo ano será nesse campo, de grandes  emoções. Se nos dependermos muito da entrada de capital chinês para equilibrar nossas contas externas, ao mesmo tempo que teremos que decidir a nossa opção pela adoção  do sistema 5 G, teremos que pensar muito em como equilibrar tudo isso. Não será nem fácil e nem divertido.

Não é que não fomos bem sucedidos até agora ou que houve incompetência, mas o jogo esta mudando. É bem mais  complexo e envolve todos os atores políticos e econômicos do país. Trump, gostando ou não dele, está sabendo jogar para o bem do seus constituintes. É sempre bom lembrar que países não tem amigos, mas interesses e alguns, nesse jogo, jogam GO e pôquer ao mesmo tempo.

Tuesday, 10 December 2019

DA FALTA DE QUE MESMO? CARNE?

DA FALTA DE QUE  MESMO? CARNE?

Não falta carne na mesa do brasileiro. É mentira que não tem carne na praça. Carne tem à vontade nos açougues, supermercados, nos matadouros municipais e clandestinos pelo país afora. Então porque tanta reclamação? 

Simples, não tem dinheiro para comprar a carne de boi, frango, e mais tantos produtos agrícolas, inclusive frutas e verduras. Os preços determinados pela lei de mercado, oferta e procura (alguém já queria eliminar essa lei, mas não conseguiu) subiram além da capacidade da maioria dos brasileiros de comprar. César esta nu, como conta a lenda. Esse choque de preços de produtos agro mostrou toda a fraqueza da nossa economia,  que tem um consumidor cada vez mais empobrecido e sem condições de comprar os alimentos que consome e que o mercado oferece.

Os 30 milhões de desempregados e sub empregados, e mais os outros, com salários congelados, são consumidores imaginários e não reais. Porque? Porque os produtos não alimentares, compram à prestação, pagam com cartão de crédito em n vezes, mas a feira e a comida de todo dia, não dá para comprar fiado. Ou quando comprar, tem que pagar em seguida. E para isso, enquanto os preços estavam estabilizados, o povo aguentava. Só não via a subida de preços na feira quem nunca foi lá. Mas agora, com a subida do preço da carne bovina em 40 % em pouco espaço de tempo, o balão de ilusão de que estava dando para aguentar estourou. E pelo jeito que os lideres do agronegócio anunciam, especificamente o presidente da Confederação Nacional de Agricultura, o preço da carne não volta para o  patamar anterior.

Sem entrar no mérito das grandes teorias econômicas, para cuja defesa e explicação não faltam doutores no país (inclusive educados no exterior), a certeza é que agora vai subir tudo. Atrás do boi vai o frango, arroz, milho, soja, verdura, feijão  e tudo mais. E começa também a pressão sobre salários, já que quem tem emprego também não consegue pagar a conta. Em resumo: voltamos à espiral inflacionária? Pela estatísticas não, mas recentemente o governo teve que corrigir os dados do comércio exterior, erros de digitalização, o que coloca dúvida sobre se não pode haver outros erros. E a outra pergunta que fica é se panelas vazias, desta vez de fato, vão ficar só em casa, ou vão sair  para a rua.

Nessa complexidade há alguns elementos que surgem para pensar sobre o assunto. Um deles é se os 232 milhões de cabeças de gado que temos no Brasil, com produtividade media de 1.8 bois por hectare (baixíssima em termos mundiais) atendem o mercado interno e externo. A mesma pergunta vale para todo o setor agrícola: a produção  brasileira é suficiente para garantir o abastecimento interno e mais atender à demanda externa? Os chineses garantiram, na crise que estão passando com a peste suína e outros problemas, o abastecimento de sua população. Isso para eles é prioridade e pagam o preço que for. O fato de nós entrarmos nesse jogo é normal, faz parte da economia de mercado, mas não é normal que outras medidas de salvaguarda do abastecimento interno não tenham sido tomadas. Ou que não fosse, na ânsia de vender e mais vender e atender os chineses, visto como vai ficar o trabalhador brasileiro que não tem dinheiro para se alimentar nos preços que estão aí.

Paradoxal é que o Partido Comunista chinês  (os chineses, que não queriam aprovar os frigoríficos brasileiros, de repente aprovaram  todos) cuida bem dos seus constituintes e nós estamos aqui na  democracia achando que o mercado resolve tudo. Talvez chegamos à situação russa, quando a Tzarina Catarina, ao lhe trazerem o  problema da fome do povo, disse que lhes dêem caviar. No STF já resolveram isso com lagostas. Bem, com manchas de óleo, também os peixes sumiram, só para não esquecer que temos mais um problema. 

Já faltou boi no pasto no passado, então lições não faltam. E agora falta observar como esse no górdio criado no agro vai ser desatado. Em  dezembro, com festas, férias em janeiro e carnaval em fevereiro, na porta e na mesa.

Stefan Salej

Monday, 2 December 2019

DO AGRO, DO CAMPO, DO BOI E DA VACA E DO BREJO


DO AGRO, DO CAMPO, DO BOI E DA VACA E DO BREJO

O agro brasileiro está hoje na crista da onda. Todos acreditam que,  sem as conquistas que o setor obteve nos últimos anos, o Brasil estaria quebrado. É o agro que está na moda, é Pop como diz uma emissora de TV, e está por cima da carne seca, como diz o povo.

Há muita verdade nisso, mas também é hora mais do que certa de analisarmos, no meio dessa euforia, qual será o futuro desse setor na economia brasileira. Aliás, para começar, a pergunta é qual é o modelo de desenvolvimento econômico e social que o país quer, sem ser um monte de declarações das autoridades estabelecidas e não estabelecidas e nenhum plano e com objetivos e resultados claros. Ou seja, não quanto vai crescer o PIB nesses cenários, mas quanto vai crescer a renda e diminuir a desigualdade, entre outros indicadores. Apesar de não termos um projeto claro na área econômica , temos que reconhecer que o setor agrícola é importante e, no momento, o que tem melhores perspectivas de crescer.

Bem, não nos esqueçamos da história, quando o Brasil já era uma potência agrícola, o caso da monocultura do café ou da borracha, e quando perdemos o mercado ou perdemos tudo. Uma revisão no auge do sucesso, alias algo que preconiza o professor Marcos Jank da Insper, é saudável, é absolutamente necessária. Se não pensarmos para a frente e muito para a frente e nos iludirmos que somos os melhores do mundo, que  por exemplo  a China acaba sem soja brasileira, o nosso futuro não existe. E aí vem a pergunta, o setor agrícola tem massa crítica para uma revisão dessas? Por exemplo, o setor industrial não teve essa capacidade. E aí está o resultado: 12 % do PIB brasileiro hoje representa uma indústria que já teve 35 % há vinte anos atrás.

O agro enfrentará os desafios tecnológicos e com eles também o problema da mão de obra. Não basta a re-estruturação da EMBRAPA, se o sistema de pesquisa no país como um todo, incluindo suas universidades, está em declínio. Pesquisa nessa área demora, custa muito dinheiro e precisa de gente. E hoje ela  é dominada pelas multinacionais, inclusive chinesas, e suas universidades com recursos intermináveis.

No quesito mercado, a verdade  é que não somos players com produtos industrializados ou até semi-industrializados.  Há há alguns exemplos na área de carnes brancas, mas longe de termos marcas que poderiam valorizar mais os nossos produtos. E também temos que levar em consideração o envelhecimento de população mundial, mudança  de hábitos de alimentação, e não final exigências cada vez mais rigorosas dos países compradores tanto no processo como nos produtos. Em resumo, num mercado onde nossas redes de distribuição dependem de empresas estrangeiras, somos muito mais comprados do que vendemos.

O setor que tem enorme potencial, também tem que ter políticas claras quanto ao meio ambiente. Não se trata só da Amazônia, trata-se de toda a cadeia produtiva no país inteiro. E negar que esse assunto não prejudica as vendas do setor no exterior é tapar o sol com a peneira. E aí vem também uma enorme possibilidade na área de produtos oriundos da biodiversidade brasileira. Por exemplo, o  açaí é muito mais lucrativo do que criar boi, e ainda não falamos do potencial da pesca, seja de água doce ou do mar. Para quem tem dúvida, basta lembrar do bacalhau de Portugal, que não o produz e vende com preços exorbitantes.

O setor tem sim, aliás no mundo inteiro, uma estreita relação com políticas governamentais. Mas, será que existe um planejamento do próprio setor, incluindo o governo? Por exemplo, na área de mão de obra para o setor (que aliás não é grande gerador de emprego), o que será feito no futuro? As fazendas precisam de engenheiros, especialistas em dados, analistas e claro todos os outros profissionais. Se depender dos governos, essa mão de não vai existir. E mais, o setor agrícola conversa com outros setores e coordena suas estratégias?

Dependendo só da China, comprando o que quer pelo preço que quer, não vamos muito longe no tempo. É bom lembrar as crises de café na década de 20 no século passado ou as crises de hoje na cafeicultura. Não se iludir com o sucesso de hoje e deixar de construir um futuro mais sólido. Ou como dizem os fazendeiros, não deixar a vaca ir para o brejo.

Stefan Salej

Friday, 15 November 2019

DOS ACORDOS E DESACORDOS COMERCIAIS

DOS ACORDOS E DESACORDOS COMERCIAIS

As relações econômicas  no sentido mais amplo de palavra são a base das relações diplomáticas e políticas entre os estados. Essas relações podem ser ou não traduzidas em acordos comerciais, ou muitas vezes em difícil entendimento entre os países que beiram mais o desacordo do que uma boa relação. Mas, um acordo entre países sempre significa um avanço nas relações, teoricamente benéfico para as partes. E principalmente coloca as regras claras mediante as quais essa relação evolui.

Hoje em dia tem muita falácia sobre a abertura do Brasil, país segundo alguns mais fechado do mundo, e a assinatura de novos acordos com blocos ou países. Mais recentemente, houve a declaração do Ministro da Economia Guedes, que disse que temos que fazer um acordo de livre comércio com a China. Primeiro precisamos esclarecer  que quem negocia os acordos comerciais pelo Brasil é o Ministério de Relações Exteriores, conhecido como Itamaraty. Claro que negocia em nome do governo, do país, mas são os diplomatas que negociam.

Bem, antes de fazermos um acordo com China, vale a pena ver o que temos de acordos em curso e em negociação. Primeiro está o nosso acordo mais amplo e menos eficiente, que é o Mercosul. Nele o Brasil tem o seu maior superávit de exportações de produtos manufaturados e tem uma relação mais intensa e extensa. Mas, esse acordo precisa ser revisto, também no seu sentido mais amplo, como não só uma união aduaneira mas como um acordo de desenvolvimento regional. E neste momento essa parceria está sob hemorragia verbal dos líderes políticos dos dois maiores parceiros, o que não indica que haverá uma revisão proveitosa para o desenvolvimento dos países em questão. Aliás, tanto Bolsonaro como o Presidente eleito da Argentina já falaram que se não for do jeito que eles propõem (o Brasil que baixe tarifas externas, por exemplo), vão sair do Mercosul. Em resumo, se não arrumar o Mercosul, o Brasil não pode negociar acordos com outros países.

O Brasil também faz parte de inúmeros organismos internacionais, entre eles a Organização Mundial do Comércio, que precisa de uma revisão antes que a entidade se torne inútil. A OMC, dirigida por um brasileiro, pessoalmente muito capaz, foi sendo desdenhada como fator de avanço do comércio internacional, e, como todos sabemos, está moribunda, e no pior estágio da vida: nem viva e nem morta.

Fazemos parte dos BRICS que se reuniram esta semana em Brasília. Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul evitaram discutir problemas políticos e pela enésimas vez declararam sua intenção de incrementar o comércio intra bloco. Nada disso aconteceu até agora, a não ser avanço das exportações chinesas para Brasil e importação de commodities brasileiras pela China. Nosso comércio com outros membros é tão miserável que não vale a pena nem mencionar. 

E na lista de espera está a ratificação do Acordo com União Europeia. Esse acordo, que verdade seja dita, vai afetar profundamente  a estrutura produtiva do país, esta sob ataque tanto na Europa como em especial na Argentina. Ou seja, o caminho a percorrer na aprovação do acordo ainda é longo, tortuoso e às vezes parece incerto. Quase o mesmo vale para o acordo com a EFTA, Suíça, Noruega, Liechtenstein . Um acordo cuja negociação foi concluída, mas ninguém viu o que se concluiu. E nas mesma esteira estão os acordos com Coréia do Sul, Japão e quem mais quiser. Tem também entusiastas de nossa adesão ao acordo com países do Pacifico e agora com a China. 

Em resumo, acordos e intenções de incrementar comércio não faltam.

Então, o que falta? Falta dizer com clareza que esses acordos fazem parte de um projeto econômico e social do país. Eles mudam não o nosso comércio externo, mudam a estrutura econômica e social do Brasil. Para os leigos é simples entender: o que vai se produzir no país, o que se vai importar, que empregos vai gerar. Que áreas vão desenvolver, e quais não. Onde vale a pena investir e onde não.

O fato é que esse projeto, se existe, está escondido e não  é consensual no país. Hoje os acordos com a UE e EFTA nos empurram para um novo patamar de competitividade para o qual não estamos preparados. E pior, com avanços tecnológicos, indústria 4.0, inteligência artificial, 5 G etc., a situação só tende a piorar.

Precisa de um plano de aumentar a competitividade da sociedade brasileira. Não basta só a modernização do estado, que está lenta, mas de toda a base econômica e ai vai social, como educação e saúde entre outras, do país. Também só ajustar a  infra estrutura e reduzir o Custo Brasil não será suficiente. Vai ajudar mas continuaremos a  exportar matérias primas, por exemplo soja para a China e não farelo de soja para mesma China.

Fazer acordos, ou então anunciá-los, sem uma base de transformação que os mesmos exigem, é a parte mais fácil ou às vezes até irresponsável da história. Implementá-los para que criem uma sociedade mais equilibrada, justa, com mais e melhores empregos, esta é a parte mais difícil . 

Monday, 11 November 2019

DE MINAS EM CACOS E CACOS DE MINAS

DE MINAS EM CACOS E CACOS DE MINAS

Recente campanha publicitária da quase centenária FIEMG, Federação das Indústrias de Minas Gerais, diz que o Estado de Minas está em cacos e precisamos todos apoiar o projeto do governo Zema para a sua recuperação fiscal, em discussão na Assembleia Legislativa do Estado. Os anúncios e o chamado à população para que entenda que, se o projeto não for aprovado, a situação do próprio cidadão vai piorar, merecem neste momento crítico uma reflexão que ultrapassa o simples anúncio.

De fato, Minas tem muitos cacos e cocos que foram feitos durante a história. O estado foi dirigido  por banqueiros, industriais, empresários, engenheiros, advogados, economistas, mas foi um médico, JK, que deixou mais progresso e desenvolvimento do que qualquer outro. Uma das atitudes mais proveitosos na solução de crises é que os atores envolvidos na sua construção, ou neste caso desconstrução do estado, governo, e sua sociedade, façam uma reflexão sobre o que aconteceu e qual foi o papel de cada um. Já que a palavra crítica é , no dicionário político mineiro é palavrão e ofensa grave, seria bom pensar o que fazer com os cacos que estão infernizando a vida do cidadão. Ou seja, não é uma análise de números e também uma solução aritmética que vão dar uma saída duradoura à situação crítica e triste de hoje do estado.

O que não falta em Minas são boas cabeças pensantes. E esta situação exige uma reflexão profunda dos melhores cérebros mineiros e brasileiros. Quiçá estrangeiros. Hélio Garcia não teve medo, para citar um exemplo, de ter ao seu lado técnicos do mais alto gabarito e ouvir sobre o Plano Real o redutável Professor Jeffrey Sachs. E pior, ou melhor, fazer o que ele  sugeriu. Um governo que foi eleito com tal maioria não pode ser sectário e nem se apequenar perante os problemas, mas tem que exercer a liderança que leva a soluções. O plano apresentado é parte da solução e as medidas anunciadas, como a pré-venda de recebíveis de nióbio ( algo parecido com o que aconteceu com venda fracassada do pré-sal ou na Grécia), privatizações e ameaças de medidas não passam de solução momentânea.

O plano tem que ser uma profunda reforma do estado, por incrível que pareça algo que Guedes, aliás quadro da UFMG, quer fazer. Se continuar com esse modelo de gestão do estado, composto por privilegiados e outros 90 %, de nada adianta esse plano. Se os setores privilegiados de ontem, hoje e querendo ser de amanhã, insistirem em não colaborar, o plano só vai resolver algumas coisinhas, mas na essência só vai transformaram os cacos de hoje em meteoritos de amanhã.

Minas tem que repensar urgentemente seu modelo de estado. Na área de gestão pública, no seu modelo político, altamente dependente do poder federal, econômico e social. O que está aqui faliu e faliu feio, deixando muito mais gente na miséria do que se imagina e muito mais gente riquíssima do que a sociedade aceita. Estamos numa nova era tecnológica e de desafios, e agimos, inclusive com esse plano, com métodos do século passado que morreram.Ou que nos deixaram onde estamos.

Nesta visão do futuro, não podemos deixar de repetir aquela frase de Presidente  Kennedy, salvo engano, o que você pode fazer por este país. Na área empresarial, colocar anúncio e fazer lobby pelos interesses só de um grupo de empresários, é coisa de amador , sem visão e muito pior: sem responsabilidade com o futuro. O empresariado mineiro tem sim que dar as mãos ao governo e outros atores na solução da crise, mas tem que também liderar seu próprio projeto de melhoria de competitividade e inserção no mercado global. A soberana indústria não conversa com o agro e com os serviços e comércio, ou vice versa. As reuniões de coordenação das 11 entidades não levam a um objetivo comum, um projeto comum, como aliás já aconteceu no passado. E enquanto o setor econômico for essencialmente pensar nas soluções do governo e com o governo, o estado vai para o Plano de recuperação e nada além. E isso quer dizer um grande Band aid, mas tudo continua como D’antes no quartel do Abranches.

Tuesday, 22 October 2019

 DA ÚLTIMA DANÇA DA DEMOCRACIA LATINO-AMERICANA

Um continente que até recentemente exibia uma tranquilidade democrática exemplar se tornou para alguns, da noite para o dia, um continente de intranquilidade e perturbação da ordem pública e um desastre anunciado do ponto de visa econômico. 

A violência das ruas que eclodiu no Chile, mas antes disso ainda no Equador, passou pelo Peru com a reviravolta dos parlamentares,  sem falar na América Central, Guatemala, Honduras, a soltura do narcotraficante no México para evitar mortes de civis pelos bandidos, e sem esquecer da Venezuela, uma situação nunca resolvida, não deixa de passar pela fraude eleitoral que se vislumbra na Bolívia e uma expectativa de resultados da eleição na Argentina que prometem dividir ainda mais o país, que já esta sob jugo do temível FMI.

No Brasil, este gigante adormecido, as perturbações ainda estão mais escondidas. Nas brigas de políticos pelo fundo partidário que substituiu a corrupção clássica por um sistema mais sofisticado que cria barões partidários com dinheiro público. O sistema judicial que, com seu individualismo e autoproteção, se torna mais do que um poder judiciário, para ser um poder que interpreta no seu mais alto nível a justiça como exercício do poder  político. E um governo que ainda não conseguiu no seu conjunto  entender que uma reforma da previdência, necessária e bem-vinda, não será suficiente para resolver  o problema  de crescimento do país, e pior: do seu equilíbrio social.

Esses acontecimentos violentos no continente  têm um efeito dominó. Eles se parecem com um tsunami político, vêm de repente, nenhum serviço meteorológico explica, arrasam o que tem na frente, deixam, mortos, feridos, destruição  física, mas no caso de fenômeno meteorológico, o tempo se acalma. No tsunami político a destruição é a mesma, mas a calmaria, não. Nem jatos d’água, nem balas de borracha, nem cassetete, nem exércitos e nem policias conseguem acalmar. E veja o que está acontecendo na França, Hong Kong, Líbano. De repente parece que as pessoas descobriram que foram enganadas, que os políticos os enganam, que o status quo não os satisfaz mais. 

E os políticos da direita acham problemas com os da esquerda, os da esquerda, com os da direita. Foi interessante observar o que disse Presidente  chileno estupefato com os acontecimentos, declarando na TV que existem inimigos que querem destruir o  país.

O fato é que o exercício democrático foi violentado pelos políticos e seus aliados e as revoltas acontecem por questões pequenas mas que acendem o paiol de palha. É como se as pessoas quisessem dizer basta. Basta de aumento de preço de energia, de gasolina, de chuchu, de transporte. Não é basta a isso, é mais: basta de sermos enganados em nome da democracia e as migalhas que ela nos dá. Que o povo aguenta tudo, é mero engano, e nem a democracia que distorcemos aguenta tudo. E muito menos com a comunicação digital de hoje em dia, que foge ao controle dos governos e dá uma voz nova ao cidadão.

No caso brasileiro, a memória é curta e poucos se lembram das revoltas que tivemos há alguns anos com a desculpa do aumento de passagens de ônibus. A ilusão de que somos uma sociedade pacífica que aguenta tudo e que tudo se resolve no triângulo das Bermudas (Congresso, Governo, Judiciário) brasiliense, pode custar muito caro a esta nação que precisa de estabilidade para se desenvolver.

O estado democrático de ontem hoje não serve mais para os cidadãos. Qual será  o novo modelo que vai atender melhor um cidadão mais educado e consciente, e quanto tempo vai levar para isso e através de quais processos, ainda não sabemos. Teremos que esperar, porque no passado foram as guerras que provocavam as rupturas e mudanças. Agora, estamos em mutação democrática. E, sem ilusões, também ela é violenta.

Monday, 7 October 2019

DO COMUNISMO AMIGO OU NÃO

DO COMUNISMO AMIGO OU NÃO 

A majestosa sede do capitalismo brasileiro na Av.Paulista, no centro de São Paulo, estava iluminada nestes dias com a cor vermelha da bandeira da República Popular da China. A RPC festeja 70 anos de ascensão ao poder do Partido Comunista. Os festejos foram majestosos na própria China e em todos os lugares onde a China é considerada um país amigo e parceiro. E não poderia ser diferente no Brasil, porque sem as importações chinesas de nossas matérias primas e commodities e sem investimentos chineses o Brasil estaria ainda pior do que está. E assim, nada de estranhar que os empresários brasileiros, que batem que batem na esquerda brasileira, não vêem nos chineses nada de comunistas, esquerdistas ou seja o que for, mas só grandes parceiros comerciais. E a parceria comercial não tem ideologia. Mais: os países têm interesses e não amizades.

Lidando com a China, onde a FIEMG manteve escritório de representação há 25 anos, nunca se deve esquecer que o país não é só gigante pela sua população, mas pela sua história de 6 mil anos. E nesses milhares de anos experimentou não só o domínio mongol e estabeleceu a rota de seda para comerciar com o ocidente, mas no início do século passado também sofreu a Guerra do Ópio liderada pela Inglaterra, a invasão durante a Segunda Guerra Mundial pelo Japão, a intervenção norte-americana após a Guerra que separou o país da ilha de Taiwan e manteve colônias britânicas como Hong Kong e a portuguesa Macau. Ou seja não foi fácil chegar aos 70 anos.

Historicamente, a China atual também interveio na Guerra das Coréias e na do Vietnã e passou rasante por uma Revolução Cultural e ajustes de grupos de poder de fazer inveja a qualquer um. E não deixou de intervir nos processos de revoluções na África e na América Latina. O dragão chinês mudou muito de aparência quando fizeram a paz com os Estados Unidos, por incrível que pareça com o governo Nixon, e empresas norte-americanas começaram transferir suas bases industriais para a China. Ninguém se incomodava com o comunismo. Aliás, ele até permitia o custo de mão de obra baixo, sem greves (veja a greve de General Motors nos EUA hoje em dia, que custa à empresa 1 bilhão de dólares) e qualidade de produto. A China se tornou filial industrial dos Estados Unidos.

Então, repetir que é a China hoje, visto por todos os lados, é obvio. Aliás, o Brasil contribui para esse desenvolvimento também com tecnologia. A maior usina hidroelétrica no Rio Amarelo, a Usina de Três Gargantas, foi construída pela Mendes Jr. e com equipamentos elétricos brasileiros. E os chineses aprenderam a fazer e nunca mais contrataram uma empresa brasileira.

Essa China de hoje é a base da China de amanhã. Resta saber até que ponto ela será um país amigo, parceiro, ou se vai agir como todos os grandes países agem: dominando os mais fracos.  Provavelmente não vão mais vender ideologia como antigamente, mas não deixará de querer ter predominância nas relações econômicas. E essa força vem da organização politica, do partido único com poderes unificados, inclusive sobre as forças armadas, que se transforma numa forca econômica e tecnológica. O modelo chinês, que de certa maneira repete os modelos históricos do próprio país, é único, e é nele que está a força que produz resultados.

Julgar a China, o seu governo e o seu povo, pelos padrões ocidentais e tentar impor uma democracia representativa à moda ocidental, é subestimar a capacidade de manter um país de mais de um bilhão e meio de habitantes em ordem. E nessa ordem não há qualquer possibilidade, por mais que alguns queiram e ajudem, de que a democracia como nós a entendemos vá prevalecer na China.

E como vamos nos relacionar com esse país no futuro? Aceitamos que comunismo chinês leva a um progresso que parece que a sociedade ocidental está perdendo? Aceitamos que China comunista, não socialista como a  Venezuela, onde os chineses exercem um papel preponderante nas política interna, será  o nosso parceiro comercial, tecnológico, militar (na Argentina eles têm uma base militar de primeira linha), cultural (centros Confuncius educam nossos cidadãos para serem amigos da China)?

Vale a pena refletir mais porque as coisas não são como parecem ser.

Thursday, 3 October 2019

ACORDO MERCOSUL UE, NON PAPER

DO ACORDO UE MERCOSUL PARA PARCERIA

NON PAPER


1.Enquanto o Acordo UE-Mercosul é para a UE um acordo amplo de cooperação e parceria, os seus efeitos nos países do Mercosul serão muito maiores porque, através de uma aliança estratégica multilateral, mudam o paradigma de desenvolvimento econômico e consequentemente social.

2. Portanto, as consequências e efeitos na mudança serão diferentes nos dois parceiros.
Muito fortes nos países do Mercosul, notadamente, nesta ordem, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, e quase imperceptíveis nos países da UE, onde tão somente a expansão comercial de várias formas será motriz da relação. Nos países do Mercosul haverá mudança significativa no modelo econômico para implementar o acordo.

3.O Road map no Mercosul, começando pela ratificação nos parlamentos, vai depender do resultados das eleições na Argentina e Uruguai, mas especificamente no Brasil vai depender da situação política, da qual o Acordo passará a fazer parte.

4.O Acordo, do ponto de vista do Brasil, só foi possível porque o próprio Presidente da República liderou o processo e permitiu uma negociação que concluísse o acordo.

Por outro lado, quando o acordo foi concluído, o Presidente da Republica e seu  governo não tiveram os ganhos políticos esperados. Parte porque a comunicação de tão importante ato, como em geral está acontecendo na comunicação do governo, foi falha, mas principalmente porque imediatamente começaram na UE debates sobre se o Brasil vai ou não cumprir o acordo especificamente no que se refere à parte ambiental.

Pesadas críticas, em especial do Presidente Macron, e atitude considerada provocativa do seu Ministro de RE visitando ONGs no Rio de Janeiro, abriram espaço para os EUA, hoje parceiro preferencial para oferecer alternativa, e abriram uma indesejável postergação do acordo Mercosul-UE. E se a isso se acrescentar o desastre ecológico da Amazônia e seu tratamento pelos países membros da UE, notadamente França, conclui-se que temos um cenário bem adverso para a ratificação do acordo, como primeiro passo.

5. O acordo só será ratificado quando o Presidente da República Jair Bolsonaro decidir que deve sê-lo, assim como quando decidiu que deveria ser concluído. Mesmo se os parlamentares colaborarem, é do Executivo o privilégio legal de submetê-lo à apreciação do Congresso. E mais, a ratificação entra na negociação mais ampla entre o Legislativo e o Executivo, incluindo-se na barganha emendas parlamentares que não têm a ver com o assunto em pauta.

Como se trata do mais importante acordo internacional em décadas que o Legislativo terá que examinar, os debates podem transcender o clássico debate sobre um acordo e se transformar num debate mais amplo. Sua eventual aprovação poderá fazer parte do debate político, incluindo nisso já o processo de sucessão deste governo. E claro que vai ter uma influência forte nesse debate o estado social, com ênfase no desemprego, e o econômico, sobre o crescimento do pais.

6.O papel dos atores econômicos, através de suas entidades, pode ser fundamental para a implementação em vários níveis do acordo.


6.1. como durante a negociação do acordo, também agora não há consenso entre as entidades empresariais sobre as suas vantagens para seus associados. A resistência, em especial do setor automotivo e industrial alemão no país, espalhou-se pelos demais setores e pode vir à tona novamente. O fato é que se demorar a primeira fase, ratificação, você prolonga o processo de entrada em vigor do acordo e atrasa as mudanças que serão necessárias para a sua implementação;

6.2.as organizações oficiais, como Federações e Confederações, que dependem do governo, vão seguir a orientação do governo, suas prioridades  e suas politicas. Aparentemente vão apoiar o acordo, mas não vão lutar nem para a sua aprovação no Congresso e nem na sua implementação, se não receberem a orientação clara, não do Governo em seus vários aspectos, mas do próprio Presidente da República, com quem dialogam, e seguem sua orientação política. 

6.3.O setor agrícola, que independentemente do acordo tem na UE um grande mercado, pode ser o equilíbrio entre várias forças, e acelerar, inclusive por ter uma bancada forte e significativa no Congresso, a aprovação e influenciar o PR.

6.4. Área de serviços é dispersa no seu poder politico mas muito forte na área financeira, seguros, saúde, educação, serviços advocatícios, transporte e logística, telecomunicações, mas menos em serviços de engenharia.

6.5.Na parte que se refere à indústria, onde as transformações  serão mais radicais, existem estudos que apontam que, com a implementação do acordo, haverá queda de até 20 % no PIB industrial. Haverá que tomar medidas que levem à mudança do paradigma básico do acordo:

o acordo deve levar a um novo patamar de competitividade da indústria brasileira e não à sua destruição.

Para isso serão necessários recursos. Do lado da UE, para financiar as empresas com investimentos no Brasil, e do lado brasileiro, as empresas brasileiras. Nada disso está sendo cogitado neste momento nem de um e nem de outro lado.



7. Concluindo, a implementação do Acordo não pode chegar a ser um tema negativo, mas os vários atores incluídos tem que afirmar, em especial do lado empresarial brasileiro, que o Acordo só pode ser implementado, nem postergado e nem esquecido.
Não há no momento nenhum outro acordo que Brasil possa fazer que, com todos os riscos, mude tanto o paradigma de competitividade do país e crie uma aliança estratégica tão importante como este Acordo.

A influência de acordos ou negociações com outros parceiros, em especial Estados Unidos e em seguida Reino Unido, não pode anular os benefícios do acordo com a UE.

Para isso um complexo road map politico e econômico deve ser feito no qual as Eurocamaras no Brasil, e suas correspondentes entidades na UE, terão papel fundamental. Neste capítulo, a voz, hoje fraca, das empresas europeias no Brasil, deve ser ouvida  pela sociedade brasileira. Aliás, além de considerações fragmentadas, não existe um paper confiável da influência dos capitais europeus no desenvolvimento brasileiro.

Papel fundamental terão também instituições como a GV em promover debates e estudos que confirmem o rumo certo e os benefícios do Acordo para a sociedade brasileira.

Last but not least, se do lado europeu continuarem as declarações na linha pós-acordo, ou seja que não se acredita que Brasil cumprirá o acordo, não se pode esperar que do lado brasileiro haja um esforço para continuar no acordo. A UE também tem que decidir no seu conjunto se quer ou não o acordo, porque as condições de como será o acordo já foram acordadas. E o uso do acordo para reforçar não a sua implementação e beneficiar a todos os stakeholders, mas para incrementar o espaço eleitoral interno, pode custar a anulação do acordo.


Stefan Bogdan BARENBOIM ŠALEJ
30.8.2019.


Copyright Stefan Bogdan Barenboim Salej 2019.

O presente estudo se destina somente aos destinatários e só pode ser divulgado com expressa autorização do autor.

As opiniões expressas são pessoais e não expressam opinião de nenhuma entidade ou governo.

Thursday, 1 August 2019

DA GUERRA COMERCIAL E BRASIL

Estamos no meio de uma guerra comercial que se espalha pelo mundo e chegou nestes dias com toda a artilharia disparando seus tiros para Brasil. E um dos foguetes disparados atingiu as asas do acordo entre o MERCOSUL e a União Europeia, tão celebrado ainda na semana passada. Aliás, a pergunta é se o tiro foi fatal e o acordo morreu ou só atingiu o voo inicial do avião chamado acordo.

O fato é que os europeus, que neste momento enfrentam um calor infernal nas suas praias e na política, com o novo Primeiro Ministro britânico, a saída da Ângela Merkel do governo da Alemanha, a mudança da equipe da União Europeia e do Banco Central, não têm muito tato ao tratar com latino-americanos em geral e em especial com o Brasil. A insistência em que o acordo, ora em exame jurídico e ainda não assinado pelos presidentes dos países e pela Comissão da UE, só será validado se o Brasil cumprir o acordo climático de Paris, deu brecha para o Brasil procurar, sob pressão, outras alternativas. Chegou-se a um acordo possível, que está longe longe de ser excelente. O Brasil cedeu muito para fazer o acordo. E aí, chamar fora do acordo o Brasil para cumprir o que está cumprindo, ou mais do que o acordado, foi esticar a corda de forma inaceitável.

O episódio com Chanceler da França, não recebido pelo Presidente Bolsonaro que foi cortar ostensivamente cabelo e dizer que não tinha agenda, foi sinal claro, mas não lido pelos europeus, de que o Brasil não vai se deixar amedrontar com ameaças francesas sobre a Amazônia e o meio ambiente. À medida que a pressão europeia foi crescendo, especialmente a da Alemanha, com seu Partido Verde, que hoje tem muita força no Parlamento Europeu, também a resposta brasileira foi crescendo de tom. A ação agressiva europeia provocou a reação agressiva brasileira.

Mas aí os europeus avaliaram muito mal as opções que o Brasil tem. Na mesma semana da visita do Chanceler francês, veio ao Brasil o Secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross. E os americanos que veem no acordo entre o MERCOSUL e a UE uma real ameaça aos seus negócios na região, aproveitaram a janela de oportunidade para oferecer uma real possibilidade de fazer acordo entre o MERCOSUL e os Estados Unidos. Foram perfeitos: aceitaram Eduardo Bolsonaro como Embaixador nos EUA, cumpriram a promessa de abrir as portas da OTAN para o Brasil, disseram que o acordo com a UE prejudica o acordo com os Estados Unidos e mais algumas coisas que não sabemos. Trump precisa de um acordo comercial novo e bom antes das eleições e Bolsonaro, que não aguenta ataques dos europeus, amigo do Trump e de sua política, deu essa chance. O acordo com os Estados Unidos, nosso maior concorrente no agronegócio, será menos estressante na área de meio ambiente e agrícola do que o acordo com os europeus. E certamente não vai ter oposição da Argentina, onde, se Macri não for eleito, o acordo com os europeus também dificilmente passará a ser aceito pelo novo governo. E se for reeleito, os EUA têm força para impor a sua vontade a uma Argentinas enfraquecida.

O acordo com a UE entra no banho-maria, o governo brasileiro não tem nenhuma pressa de ratificar, e o acordo com os EUA entra em fast track, linha rápida, para ser negociado. Se os europeus baixarem as exigências e entenderem que governo Bolsonaro é o que é, ainda pode haver acordo. Senão, haverá acordo só com os EUA, talvez com o Japão, Coréia do Sul, Canadá e CEFTA. O que, diga se de passagem, já é bastante para Brasil.

Jogou se o jogo dos profissionais.

Stefan Salej
Vice-Presidente do Conselho do Comercio Exterior da FIESP
Coordenador adjunto do GACINT - Grupo de acompanhamento de conjuntura internacional da USP

 

Sunday, 21 July 2019

DO ACORDO MEIO CHEIO, MEIO VAZIO

DO ACORDO MEIO CHEIO, MEIO VAZIO

Está difícil de distinguir, nas recentes discussões sobre o papel do Brasil no mundo, o joio do trigo. A centralização do debate na nomeação do novo embaixador do país nos Estados Unidos nos afasta de dois importantes atos da política externa brasileira, construídos ao longo de décadas, mas concluídos agora, que são a nossa adesão à OCDE, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, e o acordo entre o MERCOSUL e a União Europeia. Os dois feitos terão um papel estruturante na economia e na sociedade brasileiras nas próximas décadas, que está sendo totalmente desprezado e subestimado pela sociedade econômica brasileira, e aí incluído a sociedade civil e política.

A adesão à OCDE vai requerer alguns ajustes fundamentais tanto do estado brasileiro como das empresas, independentemente de que já estamos cumprindo mais de 75 % de todos os requisitos que harmonizam as ações e politicas públicas dos 45 estados membros da organização. Mas, o perigo mora nos detalhes do restante. Não só teremos que adaptar normas e legislação, em especial na área de empresas estatais, combate à corrupção, transparência de contas públicas, entre outros, mas também o governo terá que adaptar suas políticas, por exemplo na área social, de educação, a serem monitoradas e analisadas constantemente por um organismo internacional. E não me consta que no debate sobre esses estudos e análises poderemos, como é a  tradição brasileira, contestar envoltos na bandeira nacional, dizendo que os gringos querem prejudicar o Brasil. O jogo vai exigir um comportamento analítico e de adoção de políticas públicas bem diferente do que se jogava até então.

No caso de Acordo com a União Europeia, a situação é diferente. Primeiro o acordo é fundamental para os europeus. A Europa vive do comércio internacional mais do que qualquer bloco ou país do mundo. Hoje não tem mais as colônias (com exceção dos territórios holandeses, franceses e britânicos na América Latina) onde desovava sua produção e das quais recebia matérias primas a preços aviltados. Os chineses estão pressionando a entrada na Europa com sua Rota da Seda, conquistaram a África, avançaram tecnologicamente e fizeram  alianças na Ásia que diminuem o poder dos europeus.

A UE não consegue fechar um acordo com os Estados Unidos nem acordos com países como o Japão, Vietnã e Canadá, que não são comparáveis com as vantagens  que oferece o acordo com o MERCOSUL. Este acordo apresenta um mercado de 68 bilhões de euros por ano para 60 mil empresas europeias. As exportações para o MERCOSUL geram 855 mil empregos diretos  na Europa  e mais 436 mil empregos no Brasil. As empresas europeias deixarão de pagar anualmente 4.5 bilhões de euros em taxas e tarifas, aumentando seus lucros conforme reza o acordo.

Mas, o outro lado é que conta: as empresas do MERCOSUL terão portas abertas nos mercados europeus, nos quais não se sabe se está incluída A Grã Bretanha. E ai vem a questão básica: quanto somos competitivos e em que produtos para vender mais aos europeus. Enquanto eles, que têm investidos no Brasil mais de 300 bilhões de dólares, estão se preparando para invadir o mercado brasileiro, o que está sendo feito do nosso lado, ninguém sabe.

Para sermos competitivos e aproveitarmos bem o acordo teremos que mudar o nosso modelo, cuja bandeira é o Custo Brasil, para o de um Brasil competitivo. E este retrofit da nossa economia vai exigir em primeiro lugar um projeto e recursos. E neste momento nem o setor privado tem um road map para um melhor aproveitamento do acordo  e nem o governo tem um projeto, a não ser passos políticos, para a mudança que nos espera .Os europeus estão trabalhando a mil por hora para levar vantagem e nós ainda estamos comemorando a primeira fase da conclusão do acordo.

Sunday, 9 June 2019

DA INDÚSTRIA COM E SEM FUTURO

Nesta semana as associações da indústria no Brasil comemoram o seu dia. As comemorações devem incluir um minuto de silêncio pelas 300 vitimas do estouro da barragem de Brumadinho, ou melhor, o Córrego do Feijão. E com esse minuto deve vir a reflexão sobre que indústria ainda temos e queremos como sociedade e qual será a cara da indústria nos próximos 20 anos. Provavelmente os discursos não vão abordar esses temas, mas os desafios, aos tin-tins da champanhe e do whisky, cachaça não entra, de como manter o sistema empresarial com financiamento obrigatório, e em especial, os das reformas da previdência, da desburocratização e da reforma nunca chegada, a tributária.

A indústria, mesmo atingindo hoje magros 11 % versus mais de 30 % do PIB há 25 anos, não vai fechar. Os modelos econômicos mudam com o avanço da história e nada é igual ao dia anterior. Os movimentos tecnológicos são mais profundos neste início de século, os paradigmas mudaram, e com eles mudam as matrizes econômicas. A indústria de ontem não é  mesma de hoje e nem será a de amanhã. Porque também o consumidor não é o mesmo, então o mercado também muda e a indústria tem que mudar para se adaptar ao mercado.

No Brasil, especificamente, além de todos os desafios que a indústria enfrenta nos outros lugares, estamos no momento em fase de incertezas que seguram os investimentos e levam as empresas a procurarem não  expansão, mas, essencialmente, sobrevivência. É um momento bem nocivo e difícil, mas por outro lado um dia tem que passar.

E talvez aqui podemos também olhar o copo meio cheio ou meio vazio. Sem dúvida, o momento de incerteza e crise pode levar os ousados para um novo patamar. Uma dessas ousadias é a expansão para o exterior. Há inúmeros exemplos, bem descritos pela Fundação Dom Cabral, de sucesso. Outra vertente é procurar mercados novos no imenso mercado chamado Brasil. E também surgem oportunidades de fusões mesmo entre as empresas de pequeno porte. Aliás, no Brasil faltam empresas medias que no mundo inteiro são sustentáculo de desenvolvimento e de geração de empregos.

Na área de mudanças tecnológicas, a indústria 4.0 não requer que o Senai instale um laboratório, mas que a sociedades toda mude para um patamar tecnológico diferente. Nesse capítulo as mudanças na área de infra-estrutura, leia-se energia, e de telecomunicações, são cruciais. E sem dúvida a grande mudança deve ser na área de educação, seja ela tecnológica ou não.

Quantas de nossas indústrias estão hoje prontas para esses desafios, entre os quais, como no caso do acidente de  Córrego de Feijão, se inclui a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável. A falta desses dois mata e destrói a sociedade e a própria indústria. E não é substituída por nenhum indicador financeiro ou tecnológico.

A indústria, hoje mais e mais integrada com serviços e outras atividades clássicas, como o agronegócio e o  comércio,  tem um espaço para sair da sobrevivência para o crescimento, especialmente se houver um ambiente  político que facilite ou pelos menos não atrapalhe a transformação industrial e seu desenvolvimento.

Para os desafios também há respostas, como as  start ups, um alto grau de empreendedorismo existente no país e um mercado cheio de oportunidades.

DA LAGOSTA IMORAL

De 210 milhões de brasileiros, quantos já comeram a lagosta e beberam vinho francês? Provavelmente 99,99 % nunca comeram lagosta e nem beberam vinho francês. A lagosta, crustáceo, pescado nas costas do Nordeste, já provocou nos idos de 70 a Guerra da Lagosta com a França e provocou o então Presidente francês, General Charles de Gaulle, que disse que o Brasil não é um país sério. A lagosta voltou nestes dias ao cardápio político quando os ilustres Ministros do Supremo Tribunal Federal encomendaram lagostas e finos vinhos franceses para as refeições destinadas a ilustres visitantes estrangeiros. Tudo dentro da ordem e da lei. Eles têm esse direito, de escolher o que querem, desejam, e daí transformar isso em necessidades. Em seguida o órgão fiscalizador da ordem jurídica executiva nacional, a Advocacia Geral da União, disse que está tudo perfeito e legal. E que sim, precisam desse tipo de comida,  nunca presente na mesa de 99.99 % dos brasileiros, para receber com dignidade as autoridades estrangeiras que visitam a mais alta corte de justiça do país.

Para começar, quem recebe os visitantes estrangeiros em nome do país, no primeiro lugar, é o nosso Ministério das Relações Exteriores, conhecido como Itamaraty, que nunca serviu nem vinhos franceses e nem lagosta. Serve sim com dignidade comida típica brasileira e vinhos brasileiros.

Segundo, nenhum visitante estrangeiro sério se impressiona, quando em visita, se é servido de comida e bebida de padrão acima do normal para o país. Ao contrário, vai perceber que somos um país do Couraçado Potemkin ou Theresien Stadt, os dois representantes da ilusão e mascaramento da realidade de dois regimes odiáveis, o soviético e o nazista. Vendemos uma imagem que nada tem que ver com a realidade do país. E é com a realidade do país em todas as suas variáveis que o visitante estrangeiro tem que lidar. Vendendo a ele a imagem de país onde se come lagosta e se bebe vinho francês às custas do erário público, você pode fazer isso se quiser com dinheiro próprio, como Presidente de banco que ganha 44 milhões por ano, você o chamou de idiota. Um idiota que você tentou enganar, escondendo os 30 milhões de desempregados, uma desordem jurídica fenomenal, uma população carcerária em condições sub-humanas, uma criminalidade das mais altas do mundo e, na continuidade, membros do judiciário que ganham, como foi noticiado nesta semana, dentro da lei, 700 salários mínimos num mês.

E mais: você não foi capaz de lhe mostrar uma realidade do país que sim pode ser uma grande potência, socialmente mais justo e igual, se esses atos e outros, baseados numa moralidade do sistema legal, não nos levarem para o buraco, mas para um desenvolvimento para todos. O fato é que nossos legisladores criaram condições de desequilíbrio moral e ético, transformado em comportamento jurídico de lagosta e vinho francês, e agora, pendurados nas poucas leis que ainda mantém alguma decência no país, não têm, junto com alguns  membros do executivo, a coragem, a  visão e o patriotismo para consertar isso. 

Antigamente diziam que tudo acaba em pizza, mas agora nem isso. Atualmente está acabando em lagosta com vinho francês. E já que estamos na área  da pesca, devemos lembrar que peixe fede pela cabeça. E os que encomendam lagosta com dinheiro público são a cabeça do peixe. Ou doutos sábios que querem repetir a Catarina, tzarina russa, dizendo que se o povo reclama e  está com fome,  que coma caviar. Ou no nosso caso, democraticamente, que todos comam lagosta com dinheiro público. Mas, ainda não podemos esquecer: se eles lá em cima podem, todos abaixo deles também podem. E aí, não há país e nem povo que aguentem.