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Sunday, 24 January 2016

DAS INCOMMODITIES

DAS INCOMMODITIES

Nos livros escolares de geografia na antiga Iugoslávia, lá na década de 50, tinha uma foto no capítulo Brasil de queima de estoques de cafés nos idos de 1920. Queimavam café, dizia o livro, para manter o preço do café no mercado mundial. Bem,  atualmente os preços de todas as materiais primas e produtos agrícolas atingiram seus níveis mais baixos dos últimos 30 anos, ou em alguns casos até mais. Mas, isso todo fazendeiro, até de Entre Folhas, sabe. Aliás, todos sabem que os preços dado materiais primas, e tudo o que se produz nas fazendas chamado modernamente de agro business, varia de preço e que o Brasil não tem a mínima influencia nesse mercado.

Primeiro que o Brasil não vende, é  comprado. Os compradores vêm e negociam os contratos, financiam até a produção e os estoques e comercializam. No caso do café, ainda temos a total predominância de empresas de capital estrangeiro no mercado nacional. Se juntar todas as empresas mineiras de café  que tem dono mineiro, não dá uma Sara Lee brasileira, que é um dos mais importantes players no mercado mundial de café. Sem falarmos na Illy, que domina mercado dos cafés finos de um lugar onde não se produz nem um grão de café.

Todo o esforço de fazer cafés gourmets e concorrer com Alemanha, que é maior exportador de café torrado do mundo, não mudaram o modelo de negócio do produtor mineiro: mais vale a pena vender em grãos do que investir em branding  e comercialização. Claro que há exceções, mas elas não mudam essencialmente o cenário.

No caso dos minérios, o retrato é ainda mais dramático. Como no item petróleo, em que os preços estão chegando a níveis assustadoramente baixos, os minérios também estão na bacia de alma. O fato é que estamos vivendo um ciclo de preços baixos dos produtos que Minas produz, ou  que Minas queria produzir, como achar gás e petróleo no Vale do São Francisco. Acabou a bonança mineira, acabou a ilusão de que o Estado de Minas tem riqueza. Tem, mas vale pouco. E a essa realidade, temos que adaptar os custos, mudar os modelos de negócios, a percepção do estado e do seu governo da economia.

As cordas que puxam esses movimentos da economia não estão em nossas mãos, estão fora do país, fora de controle. Sequer temos especialistas que sejam capazes de resposta a um novo paradigma econômico. E perdemos tempo em não termos feito as mudanças de paradigma enquanto ainda dava tempo.

Sunday, 17 January 2016

DO DAVOS 2016

DO DAVOS 2016

Nos Alpes suíços, numa aldeia chamada DAVOS,  reúnem-se todo ano a elite empresarial mundial e políticos para se atualizarem sobre o mundo e seus destinos. O Fórum Econômico Mundial é uma realidade que este ano reúne 40 chefes de Estado e de Governo e mais 2500 participantes. Além de europeus, asiáticos, como o dono do  site Ali Baba, os americanos, sob a liderança do Vice-Presidente Biden, seu ministro de finanças e outros ministros do governo norte-americano, terão a oportunidade de conversar com vários latino-americanos, como a estrela ascendente Macri, o novo presidente da nossa vizinha Argentina. Estará também o presidente da Colômbia, e mais alguns outros menos  importantes.

Nesta segunda categoria está a delegação brasileira, cuja maior estrela será o Ministro da Fazenda Nelson Barbosa. Claro que haverá painel sobre o Brasil e muita, mas muita conversa, nos bastidores, sobre a economia brasileira. Inúmeros executivos de empresas que têm investimentos pesados e de muitos anos no Brasil querem saber se esta crise vai demorar, se a queda do nosso PIB prevista para este ano vai ter efeitos nefastos, e ainda por quantos anos, e, não por último,  se este governo agüenta até o próximo Fórum, em janeiro do ano que vem. Perguntas e mais perguntas, e respostas que devem convencer, para que o fluxo de investimentos volte ao Brasil.

A crítica de que a Presidente Dilma não foi e as estatísticas quem foi ou não, são pura bobagem. A presença da Dilma na boca do lobo não vai ajudar a crise brasileira e nem convencer os empresários de que soluções estão próximas. Aliás, neste capítulo, nem Nelson Barbosa vai convencer muito. Quem convence são os fatos e atos, mudanças nas atitudes do governo e seus políticos na gestão das finanças  públicas. O resto é a ilusão e enganação. E mais, ficar vangloriando na imprensa brasileira o presidente argentino e dizendo que Dilma deveria estar lá, é desconhecer como funciona esse fórum. Nos não estamos num concurso de beleza e se a gestão Macri for bem sucedida, só podemos lucrar.

Os temas de Davos, sofisticados, escondem a grande preocupação com  a freada do desenvolvimento chinês, a queda de preços das commodities e do petróleo, o conflito no Oriente Médio e o crescimento do terrorismo islâmico e a emigração para a Europa. A máquina de fazer boa imagem do criador do Fórum, o Sr. Schwab, faz Photoshop do momento e da cruel realidade. Portanto, há sempre que ler o que acontece lá nas entrelinhas. Além do mais,  uma boa parte dos empresários brasileiros, tão elogiados pelo mesmo senhor, hoje estão envolvidos no processo Lava Jato ou então, como Eike Batista, sumidos.

Mas, onde está o Fórum  Social Mundial, alternativo a Davos? Era uma contraposição interessante e fazia o mundo um pouco mais interessante e quem sabe mais justo.

Monday, 11 January 2016

DO EL NIÑO ECONOMICO

DO EL NIÑO ECONÔMICO
Este ano, mal começou, já tem Carnaval. Mas, mesmo assim, na área de negócios, a continuidade de um ano com muita turbulência política, uma massa de desempregados com os quais o país não sabe conviver, aumentos de impostos e de  preços, colocam ao empresário uma pergunta simples: o que faço aqui e agora.
Primeiro, nem tão pouco há o que fazer em termos macro, seja econômicos ou políticos. É só acompanhar o seu deputado estadual ou federal e dizer a ele o que você pensa, ou o que você acha que são seus interesses. Ele foi eleito para representá-lo, e, se está fazendo o quer e contra seus interesses, cabe a você lhe dizer isso, invés de falar que os políticos não prestam. Nesta mesma linha, vale a pena ver o que fazem os vereadores, estes marajás locais, que têm muito mais poder, junto com os prefeitos, do que nos queremos admitir. E faltam as entidades empresariais: seus dirigentes estão aplicando os recursos para o bem da comunidade empresarial ou para o seu próprio bem? Sua opinião política expressa seu interesse de servir aos seus negócios, ou representam de fato o interesse da comunidade empresarial?  E se você não se pronunciar, acontece o mesmo com os políticos: nada, e tudo contra você.
No segundo plano é que esta o melhor remédio, mesmo que amargo, para sobreviver esta transição política, econômica e financeira que estamos vivendo. O Brasil só vai começar um novo ciclo daqui a alguns anos, se a liderança política fizer as mudanças necessárias para tanto. E você não tem tempo para esperar.
A primeira e mais importante atitude é você aceitar que daqui para a frente tudo será diferente. Mudou o modelo econômico do país, de crescimento e estabilidade, para inflação e instabilidade. Amém. Outros tempos, outras estratégias, outras táticas, outras atitudes. Quais? Bem, você, seus sócios  e seus funcionários sabem melhor do que qualquer um. Já está tarde para que o projeto de enfrentar a situação seja só do dono da empresa ou dos executivos. O interesse é de todos, e as propostas podem ser excelentes se vierem de todos.
E não se esqueça também da mão firme no caixa e do olho no mercado, ou como dizia meu pai açougueiro: o freguês é que importa.
Político nenhum vai ajudá-lo na sua empresa. Você a fez, seja como dono ou como executivo, e só você pode enfrentar esta tempestade de El Niño econômico que vivemos.
STEFAN SALEJ

Friday, 8 January 2016

DO JANEIRO INSTAVEL

DO JANEIRO INSTÁVEL
Acabam as festas, na próximas semana ainda temos o Ano Novo dos ortodoxos, ou seja da maioria os povos eslavos, e daqui a três semanas, o carnaval.  Mas, nada melhor do que enfrentar a  instabilidade de todos os tipos nestes dias com as reservas  de energia acumulada  durante os feriados de dezembro. Assim, o teste da  bomba de hidrogênio, feito pela Coréia do Norte, esquentou o ambiente politico internacional. Os protestos  pelo mundo afora de um lado, e descrença de muitos cientistas afirmando que a bomba sequer existiu, não deixaram a marca do medo e duvidas. No final das contas a vizinha Coréia do Sul, que recentemente abriu seu Consulado em Belo Horizonte, foi um dos maiores compradores de armamentos norte-americanos no ano passado.
Outro comprador bom, a Arábia Saudita, também não deixou por menos. Executou um grupo grande de dissidentes  e, entre eles, um clérigo islâmico xiita, o que  provocou um protesto dos xiitas da região liderados pelo Irã e o rompimento das relações diplomáticas entre os dois países, acompanhados por seus vizinhos menores. Xiitas e sunitas continuam resolvendo suas diferenças na região e pelo mundo afora trazendo uma instabilidade indesejável. E mais: o Irã testou novos mísseis de longo alcance sem muita preocupação com o que o mundo pensa ou não deles.
No campo econômico, o terremoto maior foi o ajuste da economia chinesa. Não foi só a bolsa que caiu de novo, mas caiu também o preço do petróleo ao nível mais baixo dos últimos  dez anos. Como o Brasil é dependente do crescimento chinês e do ajuste dos preços das matérias primas, esses eventos nos afetam mais do que imaginamos. O superávit da balança comercial de 2015 só poderá servir de colchão para pagar as contas externas em 2016. Aliás, ninguém explica se a exportação cresceu, mas todo mundo fala só da importação  que encolheu. E com a desvalorização da moeda chinesa, o yuan, os chineses vão invadir o mundo com seus produtos, tirando inclusive como aconteceu na Argentina, produtos brasileiros da prateleira do importador.
Imagine se os fatos de tão longe nos afetam tanto, como então interpretar os eventos na Venezuela. A nova Assembleia Nacional, dominada  pela oposição, tomou posse. Oficialmente começou um conflito de poderes cujas consequências  são totalmente imprevisíveis. Mas todas apontam para uma solução não democrática.
O ano mal começou. E começou bem agitado.

Wednesday, 30 December 2015

DO 2016

Do 2016
Olhar para ano de 2015 é uma maravilha. Tudo já aconteceu, tudo já passou. Duro mesmo é olhar para a frente, para 2016, onde tudo ainda pode acontecer. Mas, algumas certezas são mais certezas do que outras.
Para começar, está  no fim a era Obama nos Estados Unidos. As eleições presidenciais no final do ano serão fortemente marcadas pelo debate não só de temas econômicos como também de segurança internacional e do papel dos Estados Unidos no mundo. Parece que a economia vai bem, mas os imbróglios em que estão metidos os Estados Unidos e a ameaça do terrorismo islâmico não deixam dormir ninguém nem lá e nem nas outras partes do mundo.
Alias, essa expansão do terrorismo está deixando o mundo inteiro, e em especial a Europa, em pânico. E não sem razão, já que os países se mostraram incapazes de conter uma organização religiosa que não tem nem limites territoriais e nem morais. Quanto tempo vai demorar para o mundo civilizado ocidental conter essa ameaça e como será resolvido, está praticamente impossível de saber.
Outra certeza é o fenômeno climático chamado El Niño. Está uma loucura o clima este ano, afetando tanto a vida de pessoas como também a produção agrícola. Com tornados, chuvas, secas, Europa sem neve, e tudo mais, mesmo com a nova Convenção sobre  clima, o tempo mudou.
Esse fenômeno climático não escolhe país ou continente. Ele é universal e assim afeta também a China. A forca motriz de desenvolvimento mundial reduziu a sua velocidade, está  se reorganizando e com isso obrigando todos a se organizarem. E, nesse capítulo, cabe bem a pergunta se matérias as primas e os produtos agrícolas, inclusive o petróleo, vão subir de preço. Há previsões de todo tipo, mas a maioria diz que o mundo se adaptou aos  preços baixos das matérias primas e do petróleo. Portanto, os ajustes das economias dependentes desses  produtos continuarão fortes ou haverá ainda muita quebra.
Mesmo com a União Europeia tendo já recebido neste ano mais de 1 milhão de refugiados, o fluxo devido os conflitos no Oriente Médio não deve diminuir muito por lá. Seja como for, a velha Europa terá que se perguntar como andam as sua integração, tanto entre os países, como com o mundo. E nisso não escapa a relação com a Rússia, cujo conflito com a Ucrânia nunca termina.
Nossa vizinhança está mudando. A Argentina tem novo presidente, a Bolívia vai ré-eleger o velho pela terceira vez e na Venezuela continuam as inexplicáveis travessuras do bolivarismo, levando o país  para um caos econômico e politico inacreditável.
Com crise interna maior ou menor, o Brasil tem seus atrativos para parceiros estrangeiros. E continua sendo um país grande, uno e em transição.
Stefan Salej

Sunday, 27 December 2015

DEVER DE MEMORIA,POR J.D.VITAL


Dever da memória


Sexta-feira santa em Jerusalém evidencia as contradições de uma terra dividida pela ação dos homens. Museu do Holocausto é hoje o guardião mais verdadeiro do sentido da Paixão
J. D. Vital
Publicação: 17/05/2014 04:00
Description: No Memorial do Holocausto, o Yad Vashem, a denúncia do horror se mantém viva e alerta as consciências para o risco da contemporização histórica  (Braz Ratner/Ruters)
No Memorial do Holocausto, o Yad Vashem, a denúncia do horror se mantém viva e alerta as consciências para o risco da contemporização histórica

A Via Dolorosa, por onde Jesus teria carregado a cruz a caminho do calvário, pode não ser o local mais piedoso para uma sexta-feira santa em Jerusalém. Pelo menos para quem conhece as cerimônias da Paixão em Minas Gerais. Com 600 metros de trajeto e placas indicativas nas paredes, a primeira das 14 estações da via-sacra começa onde existia um posto militar romano e hoje funciona uma escola muçulmana. Ela termina na Igreja do Santo Sepulcro e da Ressurreição de Jesus.

Em todo seu percurso, a Via Dolorosa – demarcada no século 8 por romeiros bizantinos – é um barulhento bazar oriental, desde os dias de Pilatos. Em alguns trechos, as lojas, de um lado e do outro, expõem mais bugigangas que a galeria do Mercado Central de Belo Horizonte localizada no piso superior que dá para a Rua Goitacazes. Difícil emocionar-se. Principalmente se o caminhãozinho de lixo fizer piruetas para manobrar naqueles becos, sob as metalhadoras de Israel em permanente conflito com os palestinos.

Construída no ano 326 por Helena, mãe do imperador romano Constantino, a Igreja do Santo Sepulcro causa arrepios. Na entrada, cristãos etíopes e russos choram debruçados sobre a pedra em que José de Arimateia teria depositado o corpo de Jesus descido da cruz. Helena mandou erguer a igreja após escavações em que foram encontradas a tumba de Arimateia e três cruzes.

O clima de devoção fica prejudicado pela truculência de religiosos ortodoxos. Eles organizam a visita à gruta onde o corpo de Jesus teria sido enterrado quase ao pôr do sol da sexta-feira, quando começa o shabbat. Os barbudos de veste preta expulsam os furões de fila, aos gritos e empurrões.

Apesar do alarido, a via-crucis é palco para a reflexão sobre a capacidade humana de odiar, flagelar, torturar e matar. Em Jerusalém, há outro endereço para uma visita guiada a um drama da Paixão contemporâneo. Um lugar de perplexidade frente à maldade que a intolerância religiosa e racial faz brotar no coração do homem. É o Yad Vashem – o Memorial do Holocausto. Inaugurado em 2005, ele recorda, segundo a estatística local, 6 milhões de judeus assassinados no século 20 pelo ódio antissemita sugado com o leite materno em sociedades cristãs ao longo de dois milênios.

Ao contrário dos museus da escravidão e de parte da mídia, que a cada 13 de maio se dedica a glamourizar a herança gastronômica do negro no Brasil, o Yad Vashem é um soco no fígado. Não alivia. Esfrega a realidade na cara da humanidade. Os depoimentos de sobreviventes em vídeo, as fotos de vítimas do nazismo alemão e a exposição dos uniformes listrados dos campos de concentração derrubam qualquer tentativa de contemporização histórica. A cada passo, uma verdade: cartas, joias saqueadas, álbuns de família, filmes, etc.

Em nove galerias, o museu mantém a denúncia em riste. A vida nos guetos; o menino de mãos ao alto diante de fuzis alemães; bispos alemães levantando a mão direita no gesto de saudação a Hitler. O horror de um vagão de trem para transporte dos judeus aos campos de concentração. Na vitrine, uma coleção de sapatos confiscados dos prisioneiros a caminho dos fornos de cremação. Dói ver os sapatinhos infantis.

Adversário da canonização de Pio XII, o Yad Vashem castiga o silêncio e a “complacência” do pontífice com o regime alemão. Antes de eleito papa, o arcebispo italiano Eugenio Pacelli fora núncio apostólico na Alemanha hitlerista e tornou-se conhecido por seu filogermanismo. Mas o memorial glorifica cardeais, bispos, padres e freiras que arriscaram suas vidas para salvar judeus.

A Avenida dos Justos entre as Nações tem 2 mil árvores plantadas em honra às pessoas que afrontaram os nazistas. Dois brasileiros constam da lista que inclui o industrial alemão Oskar Schindler: Luis Martins de Sousa Dantas e Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa.
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Embaixador em Paris, Sousa Dantas (1876-1954) emitiu mais de 500 vistos a judeus em 1940, apesar da proibição do governo de Getúlio Vargas. Aracy (1908-2011) trabalhava no consulado de Hamburgo, na Alemanha, onde conheceu o diplomata e escritor João Guimarães Rosa, com quem se casou mais tarde no México – os dois eram divorciados. Em 1938, Aracy ignorou a circular secreta 1.127, que dificultava a entrada de judeus no Brasil, e emitiu muitos vistos.

O memorial cita também o papa João XXIII. “Foi uma das pessoas mais sensíveis à tragédia judaica e fez muito para salvá-los.”

Ao fim da visita, as pessoas são convidadas a escrever uma mensagem no livro em que personalidades, como os papas João Paulo II e Bento XVI e o presidente americano Barack Obama, deixaram suas impressões. Externei minha tristeza. À noite, contemplando a cidade fundada por Davi mil anos antes de Cristo, dei conta que minha mensagem deveria ter se inspirado no salmo 137: infeliz serei por toda a vida, se me esquecer de ti, Jerusalém. Prenda-se minha língua ao céu da boca; fique seca minha mão direita, se eu não me lembrar do que vi no Yad Vashem; se ignorar ameaças de novos crimes contra a humanidade.
Description: Vendilhões modernos fazem de lugares sagrados seus corredores de comércio (Emás Vital/Divulgação)
Vendilhões modernos fazem de lugares sagrados seus corredores de comércio


À espera de um gesto

No primeiro mês do ano de 5.775 do calendário judaico, à primeira luz do dia 18 de abril de 2014, abro as cortinas de meu quarto de hotel localizado na estrada para Hebron. É primavera na terra de Israel, mês de Nissan. As muralhas cor de palha de Jerusalém irrompem pela janela.

À esquerda, a torre de Davi; à direita, a cúpula dourada da mesquita Domo da Rocha, de onde a rapaziada palestina lançou pedras sobre os soldados israelenses naqueles dias; e no centro, ao alto, o Monte das Oliveiras, muito frequentado por Jesus de Nazaré.

Dois mil anos atrás, vindo de Jericó, Jesus estava a caminho de Jerusalém para a Páscoa. Seu grupo encontrava-se no lado oposto de meu hotel. Ele vinha montado em um jumentinho. Descia o Monte das Oliveiras. O povo estendia mantos para ele passar. Gritavam “hosana ao filho de Davi”.

Lucas, no capítulo 19, conta o episódio: “Quando se aproximou e viu a cidade, Jesus chorou sobre ela” – na época com 40 mil habitantes, hoje, com 800 mil. Chorou porque previu o que os romanos fariam com a cidade tão linda: “Virão dias em que os seus inimigos construirão trincheiras contra ti, te rodearão e cercarão de todos os lados... Não deixarão pedra sobre pedra”. No ano 70 d.C., as tropas do general Tito arrasaram Jerusalém, após reprimir uma revolta dos judeus. Restou apenas um pedaço da muralha de sustentação do Templo de Salomão, o atual Muro das Lamentações.

Segundo a lei de Moisés, o feriado da Páscoa judaica, o Pessach, dura sete dias, relembrando a saída do Egito. Ao pôr do sol da sexta-feira, quando cristãos ainda percorrem a Via Dolorosa na Cidade Velha, os judeus recolhem-se em casa para o shabbat, o sábado. Exceto a tensão e o desfile de metralhadoras, tudo para em Israel: comércio, transporte público e até o elevador nos hotéis entra no modo automático, parando em todos os andares. Nem a omelete do café da manhã pode ser preparada pelos cozinheiros.

Em Belém, na Cisjordânia, a 10 quilômetros de Jerusalém, tudo funciona apesar das condições de isolamento impostas por Israel aos palestinos. Alegando razões de segurança e sob protestos internacionais, o governo israelense levantou um muro de concreto que corre por 760 quilômetros na fronteira e impede o trânsito de palestinos.

Num gesto surpreendente, o presidente palestino Mahmoud Abbas afirmou no final de abril que o “holocausto foi o crime mais atroz da era moderna”. Em sua tese de doutorado, ele negara o holocausto. Espera-se agora um gesto de Israel.

J. D. Vital é jornalista e autor de Como se faz um bispo segundo o alto e o baixo clero e Quem calçará as sandálias do pescador?


DE BELÉM E DO ORIENTE MEDIO

DE BELÉM  E DO ORIENTE MEDIO
Quem já visitou Jerusalém foi tocado por um espirito místico  inexplicável. Há um misticismo que se confunde com a história, que nenhum lugar no mundo, e em especial para os católicos, tem. Foi assim que o jornalista J.D.Vital descreveu sua experiência de visitar a Terra Santa. Mas descreveu também a visão que teve de como convivem, ou não, árabes e judeus, no único estado democrático da região. Israel, cercado por 33 estados árabes e mais com uma população árabe significativa, é o retrato do próprio Oriente Médio. Por todos os lados paira a história da humanidade, com os tesouros da nossa existência, na verdade, a história da humanidade.
Mas foi o Oriente Médio que moldou neste ano a política internacional. De um lado, a reorganização da política egípcia, onde morreu de forma mais visível a chamada Primavera árabe e o processo de queda de ditadores para o estabelecimento de democracias representativas na região, de outro a consolidação da democracia tunisiana, e em especial, o acordo nuclear que fizeram os cinco gigantes da política internacional com o Irã, mesmo com isso colocando a espada nuclear de Demóstenes acima da cabeça de Israel.
Seja como for, os maiores conflitos do mundo hoje processam-se naquela região. O caos que domina por exemplo na Líbia, sem falar no Iraque, Iêmen, é para nós ocidentais, simplesmente incompreensível. Houve por outro lado um avanço, segundo os nossos olhos, na Arábia Saudita, com um novo rei, onde mulheres votaram e foram votadas primeira vez na história. Mas, em termos gerais, além da queda dos preços do petróleo, que abalou algumas economias da região de forma bem forte, podemos dizer que o Oriente Médio  é  caótico e difícil para entendermos o que se passa por lá.
A face mais visível da violência é o conflito na Síria. Milhões de refugiados que entraram na Europa, mais de um milhão neste ano, fugindo da guerra da qual participam hoje não só os países europeus mas ainda os Estados Unidos e a Rússia. Mas, a solução não está  á vista, como também não está  no Afeganistão, após 15 anos de intervenção norte-americana.
Nada disso se compara à expansão do chamado Estado Islâmico.  A brutalidade de um lado, e de outro lado o uso das mais avançadas tecnologias para conquistar territórios e expandir as fronteiras de terror, é um exemplo de como o ocidente não sabe lidar com o Oriente Médio, e de que o conflito de lá nada tem de regional. Afeta o mundo inteiro. E muito mais do que estamos percebendo. Lá, as convicções religiosas e as lutas pelos territórios duram séculos e nada indica que terminaram. E qualquer arma, como o esfaqueamento dos judeus  em Jerusalém, é usada. Não precisa de bomba nuclear para matar. Se quisermos ter paz no mundo, vamos ter que celebrar primeiro a paz no Oriente Médio.
Stefan Salej