DO MEXICO COM E SEM SURPRESAS
O mundo está fascinado com a nova Presidente do México, a partir de 1º de outubro. Claudia Scheinbaum, judia, física com doutorado, ex-prefeita da Cidade do México, eleita com absoluta maioria de votos, com maioria na Câmara de Deputados e, noSenado, faltando dois senadores para também ter a maioria de 2/3 que permite mudanças constitucionais. Ou seja, a sucessoraeleita por AMLO, Andres Manuel López Obrador, que sai do governo com mais de 70 % de aprovação e com poderes que desde 1982 nenhum presidente mexicano teve, vai governar um país de 120 milhões de habitantes, vizinho dos Estados Unidos,onde vivem 40 milhões de descendentes dos mexicanos que mandaram para a sua pátria de origem no ano passado 63 bilhões de dólares.
Como será o governo no mandato de seis anos da nova Presidente? A primeira definição ocorrerá no mês de setembro,quando os parlamentares tomarem posse, ainda com o atual Presidente, que tentará aprovar uma reforma do judiciário. Os 1700 juízes, inclusive nove ministros do Supremo, passarão a ser eleitos e não mais indicados e nem de carreira. Insólita situação num país dominado pelo narcotráfico e com problemas de segurança pública sem igual no mundo. A reação alcança os Estados Unidos, que alegam que a reforma gera insegurança jurídica para os investimentos e desestabiliza o sistema democrático. E daí, disse AMLO, não se metem em assuntos internos. Aqui é o México.
Sim, México, que apesar de ter treze tratados de livre comércio e exportou mais de 500 bilhões de dólares em 2023, depende economicamente do seu vizinho mais do que de qualquer outro país. Então o resultado das eleições nos EUA bate diretamente nos destinos do seu vizinho. Não só na área de imigração, mas em especial na de investimentos, se as empresas continuarem investindo no México ao invés de na China, onde a mão de obra é mais barata e o sistema de logística funciona bem.
Outra questão é a transição energética. A doutora presidente vai fazer o quê com o país que depende 89 % de hidrocarbonetos, enquanto o Brasil produz 90 % de energia limpa, e tem uma empresa estatal Pemex corrupta, ineficiente e endividada em 100 bilhões de dólares. Quanto ela tem de espaço com seu padrinhopolítico para avançar nas reformas? Este mês de setembro será indicador, quando o Congresso votar a reforma do judiciário e aextinção de agências reguladoras. Ou seja, poder total na presidência da república.
O México é um parceiro comercial menor do Brasil, importa 8,5 bilhões de USD, mas tem investimentos de 25 bilhões de dólares no Brasil, Claro e Femsa, entre outros. E é sempre bom lembrar que além de exportar 6 bilhões de cerveja e 4.5 bilhões de tequila, e de receber 22 milhões de turistas, já provocou no passado uma crise financeira da pior qualidade.
O país tem hoje crescimento moderado, no primeiro semestre oPIB cresceu 1.4 %, as exportações 14.4 %, as importações 16.5 %, o déficit de balança de pagamentos seria tolerável e a inflação anual prevista é de 6 %.
Segundo o Professor Sherban Cretiou, do prestigioso Instituto Tecnológico de Monterrey e da Fundação Dom Cabral, os investimentos estrangeiros são na maioria reinvestimentos. O país é muito mais aberto do que o Brasil, exporta também produtos agrícolas, mas muito dependente do poderoso vizinho. Mas tem empresas muito mais internacionalizadas do que oBrasil. Exemplo disso é o bilionário Carlos Slim, dono não só de Claro, mas também acionista importante do New York Times.
Quanto ao Brasil, além de uma relação política que está à prova agora devido às eleições na Venezuela, onde a tentativa de conciliar a posição comum falhou, há uma relação complicada devido ao uso de atravessadores mexicanos, coyotes, para os imigrantes ilegais brasileiros irem para os Estados Unidos.
Os brasileiros naturalmente vão traçar um paralelo entre aeleição da Dilma e da Claudia. Dois padrinhos fortes, populares,elegeram sucessoras. No primeiro caso já é história. No segundo é bom lembrar que o México, do ponto de vista histórico, cultural e político, nada, nada mesmo tem a ver com o Brasil. Espera-se que a gestão nova no México administre bem as finanças, mantenha uma relação equilibrada com seu maior parceiro comercial e político que são Estados Unidos, e quanto,ao narcotráfico e à segurança interna, seja protegida por forças divinas, porque aí a complexidade ultrapassa qualquer entendimento normal. Sem muita ilusão de achar que haverá mudanças radicais, porque elas podem custar muitas vidas.
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