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Tuesday, 1 March 2022
DO IMIGRANTE E DO EMIGRANTE
DO IMIGRANTE E DO EMIGRANTE
As cenas dos meus conterrâneos brasileiros sendo deportados dos Estados Unidos, chegando a Belo Horizonte, no aeroporto Tancredo Neves, líder da redemocratização brasileira, que incluía ampla campanha pelos direitos humanos, são chocantes. Mais, doem no coração. A mim especialmente, porque quando tinha cinco anos de idade e estávamos fugindo da Iugoslávia socialista, fomos presos na tentativa de passar a fronteira ilegalmente. Jamais posso esquecer, após ter passado a infância na guerra, com meu pai em um campo de concentração, e em seguida com ele sumindo toda noite porque tinha que se apresentar na polícia política para interrogatórios, como foi a nossa prisão. Separaram a minha mãe de minha irmã, com um ano e pouco, e de min. Choramos, choro que ficou na garganta até hoje. Minha mãe foi condenada a sete anos de prisão, minha irmã Ana e eu sumimos. Isso mesmo, até hoje não sabemos, não há registros de onde estivemos por um ano, até sermos resgatados por parentes. Eu só me lembro que tinha sido obrigado a cantar canções socialistas e que inúmeras vezes, provavelmente de castigo, dormia na casa de um pastor alemão, cachorro que me guardava latindo o tempo todo.Meu pai, felizmente, conseguiu fugir antes e veio para o Brasil.
Quando tinha dezesseis anos, e minha irmã 12, viemos para Belo Horizonte, onde estava meu pai. Viramos emigrantes com uma mala amarrada com barbante e muita vontade de viver. Virei imigrante. Carteira modelo 19 por muitos anos e muita solidariedade e ajuda. Dos conterrâneos e dos amigos mineiros e brasileiros. Mas, mesmo assim jamais deixei de lutar para que o país onde nasci, a Eslovênia, se tornasse um país democrático e as pessoas pudessem escolher livremente seu destino. No dia que isso aconteceu, estava todo sorridente numa reunião na Associação comercial de Minas, a entidade onde iniciei minhas atividades associativas, quando o então o presidente Hiram me perguntou porque tanta alegria, já que em geral eu era taciturno e chato. Expliquei, e ele me disse, aproveite, já que é assim, e volte para a sua terra.
Foi a única vez que nesta terra em que fui lembrado de ser imigrante. Por isso dói tanto ver as pessoas que, mesmo se de fato, burlam a lei de outro país, voltam nas condições que estão voltando. Quando em 2008 fui Embaixador Enviado especial da Eslovénia para a América Latina e Presidente do Conselho das Relações da União Europeia para América Latina, tive que lidar com a brutalidade espanhola na rejeição de imigrantes brasileiros chegando no aeroporto de Barajas. Aprontei um escândalo digno do meu nome, dizendo aos espanhóis, entre outras coisas, que devem lembrar quantas vezes tiveram as portas abertas na história no Brasil. E consegui que fosse aprovada uma declaração da UE com a América Latina sobre imigração que até hoje rege as relações sobre o assunto entre as duas partes.
Hoje há mais de 4 milhões de brasileiros, 2 % de nossa população, que emigrou. Se de um lado condenamos a maneira com que nossos irmãos são expulsos dos Estados Unidos, temos também que perguntar por que as pessoas estão fugindo e arriscando a vida na mão de coyotes, que são bandidos da pior espécie, do Brasil. Em todos os anos que exerci funções nas entidades empresariais, nunca vi um governo de Minas combater as raízes dessa emigração. Nunca qualquer governador de Minas sequer visitou as comunidades brasileiras no exterior. Iam a Washington para dançar com banqueiros e não eram capazes de ir a Boston para visitar nossos valadarenses. O mesmo se aplica para prefeitos de Governador Valadares, cidade que vive de dinheiro vindo de emigrantes. Só um prefeito visitou a comunidade lá, e mesmo assim com passagem paga pela FIEMG.
Não são os gringos que tratam mal nossos patrícios. Somos nós mesmos, com honrosa exceção do Serviço Consular do Itamaraty, que é tratamento a posteriori e não chega às raizes do fenômeno. Aliás, sobre como Minas trata essa chaga da nossa sociedade, é significativo notar que o melhor trabalho acadêmico sobre emigrantes mineiros foi feito em Santa Catarina e, pelo que sei, até hoje não existe um centro de estudos sobre emigração em Minas. E, nesse capítulo, é interessante observar que as tão zelosas forças policiais do estado não conseguem desmontar esses esquemas criminosos. E os políticos protestam contra os Estados Unidos, o que é certo, mas não fazem nada nem para diminuir a criminalidade e nem para criar condições para que as pessoas tenham uma vida melhor e fiquem. Aliás, esse governo liberal que temos no Estado parece até achar graça que as pessoas que estão sofrendo nesse processo estejam sendo castigadas tão cruelmente.
É uma tristeza ver esses voos e as pessoas sofrendo. Mas, mais triste ainda é pensar que o país que me acolheu, e acolheu tantos milhares de pessoas - quem não é de uma família cujas raizes não são de imigrantes? - um país e um povo tão acolhedor, não consegue criar condições para uma vida melhor para seus cidadãos. Isso sim que da vontade de chorar.
Stefan Salej
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Parabéns pelo artigo, caro Salej. Você foi um exemplo de imigrante e emigrante que muito honra Minas Gerais.
ReplyDeleteParabéns caro amigo Salej . Seu depoimento foi emocionante. Imigrantes como você só valorizaram o Brasil. Sinto-me honrado em ser seu amigo
ReplyDeleteNewton de Mello
Também fui imigrante no Brasil, porém sou brasileira naturalizada há mais de 50 anos. A grande diferença entre a minha entrada neste país e a dos brasileiros que tentam entrar clandestinamente nos Estados Unidos, reside na legalidade da imigração.
ReplyDeleteEmigrantes, no Brasil e na maioria dos outros paises não abandonam suas pátrias. São abandonados por ela. Expulsos por elas. Se estão dispostos a abandonar familia, amigos e cultura local o fazem por que sua vida onde nasceram se tornou insustentavel. Tanto é que, quando podem, não raro retornam ao país de origem para aplicar os recursos e conhecimentos adquiridos no exterior. Precisamos parar de expostar talentos. Belo artigo, Salej. Grande abraço.
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