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Monday 24 July 2023

 DO NEOCOLONIALISMO EUROPEU E O ACORDO MERCOSUL UE

 

Um acordo entre União Europeia e Mercosul, do qual o Brasil é principal sócio, só tem valor para a sociedade brasileira se produzir resultados no nosso desenvolvimento social e econômico. Os europeus cuidam bem de si próprios, mas nós precisamos que estar convencidosde que haverá de fato benefícios tangíveis para Brasil. E recentes estudos de IPEA e um think tank independente da Alemanha, demonstram o contrário.

 

O que está na mesa e foi negociado pelos liberais do Paulo Guedes no governo Bolsonaro cria um desequilíbrio econômico entre o futuro dodesenvolvimento, não teoricamente dos dois blocos, mas do aumento darenda e melhoria social das populações dos países dos dois blocos. Making long story short, Europa vai crescer mais às custas doaumento da nossa dependência tecnológica, de serviços e industrial. Os europeus, que já são os maiores investidores no Mercosul, e espeficiamnte no Brasil, são também os maiores receptores de dividendos e beneficiários do acesso protegido ao mercado brasileiro. os maiores beneficiários de um sistema jaboticaba de concessões públicas.

 

São raras as empresas europeias no Brasil, aliás o que confirma a regra, que pertencem à classe mundial de produção. Ou que introduzem no Brasil as últimas tecnologias nos seus serviços.Ou que igualam seus padrões de gestão ao nível de exigências na área ambiental ou na transparência de gestão e aplicam ESG igual ao que fazem na Europa.Por aqui andam ainda produtos de segunda linha, veja por exemplo a indústria automobilística, onde são os chineses que lideram corrida para automóveis mais eficientes no Brasil, e com qualidade, recall é um ato diário, diferente dos padrões europeus.

 

Na área das concessões e serviços de telecomunicaçõescomo tambémnos serviços financeiros, as campeãs de queixas no Procon são as empresas europeias. A isso se junta também o fato de muitas delas, como foi caso de Cassino, dona de Pão de Açúcar, teoricamente vão bem no Brasil, mas sustentando erros de gestão nas matrizes com altos lucros no Brasil.

 

Claro que o cenário empresarial não é tão pessimista como descrito acima, mas o acordo entre os dois blocos também não garante que nós vamos ter um crescimento de investimentos e uma re-adequação tecnológica da nossa economia. Na verdade, os estudos que existem não comprovam que, além de maior fluxo comercial, nos vamos ter um crescimento qualitativo no nosso desenvolvimento. previsão do IPEA é que PIB praticamente não vai crescer e que a desindustrialização será brutal. A abertura do mercado não será igual, pela simples razão que, se não melhorarmos estágio tecnológico de nossas indústrias e reduziríamos custo Brasil, temos pouco a exportar para UE a não ser produtos agrícolas que têm mais limitações e restrições do que incentivos. Tente exportar café industrializado para Europa para desbancar Alemanha como maior exportador de café industrializado, para ver o acontece. Ou como vai exportar máquinas de uma indústria estrangulada tecnologicamente? Aliáspara quanto da indústria seuqer temos o controle acionário e tecnológico no Brasil?

 

Um acordo dessa natureza, cuja negociação tem sua base na economia analógica e está sendo projetado para uma economia de IA e digital, deve ter a base na nossa visão de futuro e do seu respectivo projeto de desenvolvimento. Brasil 2050. E isso nos não temos.

 

A UE perdeu o passo nas negociações e dizer que nossos laços culturais devem ser a base para o acordo é nos dizer que devemos ser gratos aos europeus que eliminaram os índios para saquear o continente e continuar pagando o dízimo. Ou achamos uma proposta de desenvolvimento tanto que possível igualitária, e de ganhos futuros recíprocos, ou então o que foi negociado até agora será uma vitória de Pirro, levando o país a uma situação pior do que a que temos hoje.

 

O anúncio da UE de ajudar aos 33 países da América Latina e Caribe com 45 bilhões de euros ao longo de alguns anos, ou seja aproximadamente 1 bilhão e meio por país, é tapar o sol com a peneira.Ou mais ou menos, um me engane que eu gosto. E onde os europeus querem investir, os resultados serão pífios ou insignificantes para o desenvolvimento social.

 

Europa precisa muito desse acordo, precisa de mercados menos exigentes e em crescimento, mas quer tudo e dá pouco. UE não reconhece nem nossa engenhosidade na área de energia, espeficiamnte etanol, nem na agricultura, no manejo florestal e na área de celulose.bNos também temos certas competências onde somos concorrentes. Mas, em termo macroeconômicos, não temos uma ideia clara de como nos desenvolvemos, como enfrentaremos os novos desafios tecnológicos, os desafios sócias e emprego, e como sairemos da moldura de uma potência agrícola e mineral, para uma de potência integrada. E os europeus, o que é compreensível, se aproveitam disso. A nossa sorte é que a ganância de querer sempre mais e continuar vendo no continente (onde ainda temos colônias europeias como Guaina Francesa, Antilhas Holanesas) uma vaca leiteira que ajuda sustentar suas economias, leva ao adiamento das negociações e reflexões que freiam o acordo.

 

Que temos nos entender melhor e incrementar nossos laços em todos os camposnão há dúvida. Mas a dúvida mata, se não soubermos o que queremos e as duas partes entenderem que ganha ganha também requer momentos de ceder. De fato temos mais em comum do que menos, temos uma trajetória de cooperação e negócios excelente, mas precisamos transformar isso numa parceira de iguais visando um mundo diferente no futuro. 

 

O acordo como está remendado depois de vinte anos, é simplesmente um desastre para os países de Mercosul. Quem o assinar deste lado do Atlântico, ficará na história como coveiro de desenvolvimento do país.

https://drive.google.com/file/d/1xCuMccT2rUISnqts5ZBXF7vxgapEWYZf/view?usp=drivesdk

Friedrich Ebert Stiftung,2021

 

https://drive.google.com/file/d/1qqpFgbf-_Ig3wIiNHv2LxwH8A1riXn-J/view?usp=drivesdk

Carta conjuntura IPEA, julho 2023.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sunday 9 July 2023

 DO FOGO LENTO NA FRANÇA E ONDE MAIS

 

Saímos de Paris sãos e salvos. Salvos de quê? Do caos que não nos atingiu numa semana em St. Germain des Près. Não vi um distúrbio a não ser na TV. O único aborrecimento ocorreu na saída da Ópera de Paris Bastille, às 11 horas dnoite, quando o transporte público havia sido suspenso táxi que nos atendeu se perdeu e o motorista  que insistia falar num inglês difícil de entender, nós pedindo para falar francês, se exaltou e nos chamou de racistas. Voilà.

 

Mas, ter escapado à desordem que atingiu a França não diminui o medo que envolveu o país. É mais por milagre que por competência que não houve mais mortes. E que a situação ficou sob controle. Mas ficaram feridas e situações longe de serem resolvidas. A justiça funcionou de uma forma rápida. Os jovens foram julgados com ato sumárioou seja,em 30 minutos o juíz declarava a sentença, na maioria das vezes serviço comunitário, mas também detenção quando comprovado o ato de vandalismo. As seguradoras estão examinando os prejuízos, os impostos estão sendo postergados e bancos terão que ter  paciência para receber.

 

Calma após a tempestade, com debate do que aconteceu aindafervilhando. O fato é que todos os problemas continuam e que os políticos franceses não indicaram como vão resolvê-los. A ênfase sobrereforma da polícia e sua atenção, o pivô de revolta foi a morte de um jovem por um policial, é parte de problema. A profunda divisão racial e religiosa, pode se dizer de duas Franças, dos brancos e dos outros, permaneceNão se trata mais só de imigrantes, agora são franceses de classes diferentes. Oriundos de ex-colônias, na África são 33 países francófonos, do Magreb, fazem parte de uma França à margem da França que nos vemos e imaginamos. 

 

Os verdadeiros guetos criados ao redor das grandes cidades, dominados por tráfico e gangues,  cujo papel aliás nestes últimos distúrbios foi pouco discutido, são incontroláveis. Os pais acusados pelo Presidente Macron de que não controlam seus filhos, respondem como: trabalho dia e noite, 50 % do meu ganho vai para aluguel, não há creches e as escolas não abrigam as crianças. E quando crescem não têm emprego.

 

Escrever sobre os problemas franceses é uma maravilha. Todo mundo é analista de outros. Mas, é impressionante a reação das pessoas que, na crise francesa, não conseguem enxergar as similaridades com a situação brasileira. Quando fui candidato a deputado federal, uma mãe me disse que único emprego que seu filho conseguia era no tráfico. Para ir aocolégio tinha que pagar dois ônibus, não tinha nenhuma possibilidade de trabalhar como aprendiz porque não existiam empresas no bairro, e não havia quadras de esporte. Outra mãe me pediu dinheiro para compraruma corrente para prender seu filho que se drogava. Isso mudou?

 

Estamos vendo o caso de militares do exército que entregaram no Rio 3 jovens para os traficantes que os mataram e depois de 12 anos nada aconteceu a não ser produzir  um processo de 5 mil páginas. As mortes por policiais em São Paulo neste semestre cresceram assustadoramente e em nossos presídios  uma população carcerária sem  julgamento maior do que a de julgados. 

 

Algum fato desconhecido das nossas diferenças sociais, raciais e econômicas? Nenhum. A frase de que temos vários Brasis tem hoje uma conotação diferente: cada um de nós pertence a um Brasil diferente,marcado por diferenças principalmente sociais e econômicas. As diferenças no Brasil são disfarçadas de forma diferente do que na França. Um multiculturalismo que esconde profundas diferenças que nos levam viver cada um no seu canto. A distância que nos separa é muito maior do que a percebida ou pior, percebida e ignorada propositalmente.

 

Faça um teste simples: com quantas pessoas racialmente, culturalmente, de credo diferente você interage? O que você sabe da vida na favela, de andar de ônibus ou metrô, de escola pública ou nãono final de contas, da vida do seu bairro?

 

Na França as tensões sociais abruptamente mostram suas fissuras. Aqui as fissuras ficam ignoradas, debaixo do tapete, mostram-se em diferenças de grupos radicais políticos, mas na defesa de seus privilégios, e nos deixam viver numa paz duradoura de ilusão de que tudo está uma maravilha. Até quando?

 

9.6.2023.

 

 

Monday 3 July 2023

 FRANCE ON FIRE

 

 It is absolutely calm and absolutely terrible. We are in St. Germain des Près, next to the church where Brazilian exiles in the 1970s protested against the military dictatorship in our country. Some stores open, others like Hugo Boss, completely closed with heavy plywood to prevent looting that has spread across France in the last five days. A policeman killed in cold blood a 17-year-old, Nahel M. Roadside approach in Nanterre, a suburb of Paris. Little is known about what and how it happened, because the police, unlike in São Paulo, do not use cameras. The policeman was arrested and France went up in flames. All over France, including the island of Reunion, overnight, young people, whose average age is 17 years old, set fire to shops, buses, cars, public buildings and everything they cherish in front of them. From 38 arrested on the first night, the number rose to 1311 on the fourth night, with 1350 vehicles burned, 2560 fires on public roads, 234 buildings degraded and 79 police officers injured. By luck and divine grace, with no more dead. Forty-five thousand policemen on the streets, with the most sophisticated defensive weapons, brucutus (armored vehicles that seem to come out of movies) and scenes that look like we are in Ukraine and not in France. The rebels use Molotov cocktails, fireworks turned into weapons, hunting rifles, and mercilessly attack and plunder not only Apple and Nike, but small merchants whose origins are their own. From a fair protest over a criminal death, it turned into an appalling war, where fear spread across the entire country and no one knows who the enemy is. The government acts rigorously and carefully. How do you face an army of 12, 13 year olds, 17 year olds? There is no manual for this. The French justice system, which has not been able to judge the deaths caused by the police in recent years, acted quickly. The first young people have already been sentenced to community work. And the government established a fine of 200,000 reais per family whose child is involved in looting and fires. The economic damage will be enormous. Insurance companies are trembling, the government has already said it will help and tourists are fleeing. France has become, with this conflict, preceded by the recent yellow vest protests and protests against the new pension law, an absolutely unpredictable country from the point of view of social stability. But earlier revolts were promoted by other generations, by visible organizations. This is a different conflict. Perplexity, the intense use of Tik Tok, uncontrollable, and a part of the French population that today is made up of children, but tomorrow will be adults, voters and will dominate French politics. Social and religious differences, allied to the racial issue, have disintegrated the social fabric and put democratic governance itself at risk. It's terrifying to find yourself in a country that explodes due to a tragic accident like this one. The physical revolt of children and young people leaves the country perplexed. Political leaders lack the credibility to stop the uprising. Religious leaders, especially Islamic, ask for calm. Jews are afraid that the uprising will also increase an already growing anti-Semitism. The fear of going out into the street is not visible, but when the crowd starts to confront the police, even on TV, it is terrifying. And why is it happening? Millions of explanations point to a marginalization of racial and religious minorities in terms of opportunities for social ascension, the increase of gangs dominating social structures and the absence of the state as an agent of security, economic development or promoter of social services. In other words, a failed state model, including with regard to technological changes, many of which the French led. There is no lack of thinkers in France to explain the state of affairs. And there is no shortage of those who do not accept that the status quo only has a future of revolts. France in its history was a country of ruptures, of social changes that changed the world. And now, how is it? 2.7.2023.  

 

Sunday 2 July 2023

  



A FRANÇA EM CHAMAS

 

É absolutamente calmo e absolutamente terrível. Estamos em St. Germain des Près, ao lado da igreja onde exilados brasileiros na década de 70 protestavam contra a ditadura militar em nosso país. Umas lojas abertas, outras como a Hugo Boss, completamente fechadas com pesados compensados de madeira para evitar saques que se espelharam pela França nos últimos cinco dias.

 

Um policial matou a sangue frio um jovem de 17 anos, Nahel M. Abordagem na estrada em Nanterre, subúrbio de Paris. O que e como aconteceu, sabe-se pouco, porque os policiais, ao contrário de São Paulo, não usam câmaras. O policial foi preso e a França pegou fogo.

 

Pela França inteira, incluindo a ilha de Reunion, durante a noite, os jovens, cuja idade média é de 17 anos, colocaram fogo em lojas, ônibus, carros, prédios públicos e tudo o que aprecia à sua frente. De 38 presos na primeira noite, o número subiu para 1311 na quarta noite, com 1350 viaturas queimadas, 2560 incêndios nas vias públicas, 234 prédios degradados e 79 polícias feridos. Por sorte e graça divina, sem nenhum morto a mais. Quarenta e cinco mil polícias na ruas, com armas defensivas das mais sofisticadas, brucutus ( veículos blindados parecendo sair de filmes) e cenas parecendo que estamos na Ucrânia e não na França.

 

Os revoltosos usam cocktails Molotov, fogos de artifício transformadas em armas, fuzis de caça, e sem dó atacam e saqueiam não só Apple e Nike, mas pequenos comerciantes cujas origens são as deles mesmo. De protesto justo por uma morte criminosa passou-se a uma espantosa guerra, onde pelo jeito se espalhou o medo pelo país inteiro e  não se sabe quem é o inimigo.

 

O governo age com rigor e com cuidado. Como se enfrenta um exército de crianças de 12, 13 anos, jovens de 17 anos ? Não existe manual para isso. A justiça francesa, que não conseguiu julgar as mortes provocadas pelos policiais nos últimos anos, agiu rápido. Os primeiros jovens já foram condenados a trabalhos comunitários. E o governo estabeleceu a multa de 200 mil reais por família cujo filho estiver envolvido na pilhagem e incêndios.

 

O prejuízo econômico será enorme. As seguradoras tremem, o governo já disse que vai ajudar e os turistas estão fugindo. A França se tornou, com esse conflito, precedido pelos protestos recentes dos coletes amarelos e protestos contra a nova lei da previdência, um país absolutamente imprevisível do ponto de vista da estabilidade social. Mas as revoltas anteriores eram promovidas por outras gerações, por organizações visíveis. Este é um conflito diferente. De perplexidade, de uso intenso de Tik Tok, incontrolável, e de uma parte da população francesa que hoje é de crianças, mas amanhã serão  adultos, eleitores e dominarão a política francesa. 

 

As diferenças sociais e religiosas aliadas à questão racial, desintegraram o tecido social e colocam a própria governabilidade democrática em risco. É apavorante encontrar-se em país que explode por um acidente trágico como este. A revolta física de crianças e jovens deixa o país perplexo. Os líderes políticos não têm credibilidade para parar a revolta. As lideranças religiosas, em especial islâmicas pedem calma. Os judeus têm medo que a revolta também aumente o já crescente antsemitismo. O medo de sair na rua não é visível, mas na hora que a multidão começa a enfrentar a polícia, mesmo na TV, é apavorante.

 

E por que está acontecendo? Milhões de explicações apontam para uma marginalização de minorias raciais e religiosas em termos de oportunidade de ascensão social, aumento de gangues dominando as estruturas sociais e ausência de estado como agente seja de segurança, seja de desenvolvimentos economico ou promotor de serviços sociais. Ou seja, um modelo de estado falido, inclusive com relação a mudanças tecnológicas, muitas das quais os franceses lideraram.

 

Não faltam pensadores na França para explicar o estado das coisas. E não faltam os que não aceitam que o status quo só tem um futuro de revoltas. A França na sua história foi um país de rupturas, de mudanças sociais que mudaram o mundo. E agora, como fica?

 

2.7.2023.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sunday 16 April 2023

  

Das pedras,pedregulhos perolas

(Crônicas dos quase 80 anos de vida)

 

L’chaim. À vida.

 

Faltam alguns meses para eu completar 80 anos. Escrevi muito sobre os assuntos mais variados, incluindo em algumas escritas experiências vividas. 

 

Mas, agora vou relembrar, ainda enquanto ainda posso, as experiências vividas conectadas aos eventos de hoje. 

 

A linha do tempo da gente é mais longa do que só a nossa vida. Ela vai até o ponto que a nossa memória alcança, ou seja, até a história dos nossos avós ou bisavós e continua até onde vai a vida de nossos netos e bisnetos. No meu caso, a história começa lá pelos 1880, quando creio que nasceu meu avô materno, Ivan, engenheiro agrônomo e vai até lá para 2100, quando a neta mais nova provavelmente terá a minha idade.

 

Mas vamos ao dia de hoje. Das estórias da China e Abu Dhabi que vivi e onde Lula passou.

 

Na Iugoslávia socialista, onde cresci, tinha uma feira internacional na capital da Croácia, Zagreb, na qual o maior pavilhão era da o China. Como crianças visitamos a feira e ficamos ali admirando os vasos chineses. Na escola estudávamos sobre a China, mas tudo era distante e a China não fazia parte do movimento de países não-alinhados. 

 

Vindo para Belo Horizonte, a China ficou limitada a um restaurante chinês que era um dos mais chiques da cidade. E tinha uma loja de produtos chineses, Chang,  que se instalou no ponto mais nobre da cidade, Savassi. E naturalmente a dona da loja foi presa por graça dos concorrentes e acusada de contrabandista. Hoje o filho dela que fez doutorado nos Estados Unidos é membro do Conselho Diretor da Comissão Fulbright, onde fui membro por dez anos, entidade que fomenta o intercâmbio educacional.

 

Mas, no meio tempo o governo militar acusou os diplomatas chineses de espiões, expulsou-os do país e depois de alguns anos, reatou e os mesmos chineses voltaram .

 

Na década de oitenta, um dos meus melhores amigos na Iugoslávia, esloveno, era Vice-Primeiro ministro do país e achou que o socialismo estava acabando e disse em público que peixe fede pela cabeça. Bem, a cabeça era o Marechal Tito e ele foi removido para ser Embaixador em Pequim. Os amigos me escolheram para fazer o discurso de despedida dele. A China já estava mudando.

 

E aí teve o massacre da Praça Celestial. José Alencar era Presidente da FIEMG e abertamente defendeu a atitude do governo chinês, com o argumento que você não administra um país com um bilhão de habitantes com regime democrático. Aliás, foi ele um dos primeiros que chamou a atenção para a alta produtividade da indústria chinesa. Ele dizia que se chinês faz camiseta por esse preço eu também posso. Pegou Josué e os dois foram para lá estudar o porquê. Encontrei os dois no voo de volta, me explicando com admiração o sucesso industrial chinês.

 

Aí também aconteceu Ding Xi Ping, o modernizador da China, que cunhou a frase que não importa a cor de gato desde que ele cace o gato. Aliás, o que foi dito também pelo guru de gestão Peter Drucker, que afirmou que não tem interesse de quem é a empresa Toyota, desde que carro funcione bem.

 

 

Entender a China sem conhecer a língua é um esforço hercúleo. Um embaixador da União Europeia, por sinal um sinólogo francês, em Beijing, perguntou a um colega embaixador de um país europeu quantas pessoas na missão dele falavam mandarim. Ele respondeu só os funcionários chineses. Então pegue as malas e volte porque você jamais vai saber o que acontece na China. Alguns diplomatas brasileiros que conheço falam mandarim ou pelo menos tentaram aprender.

 

Um dia perguntei a um alto funcionário diplomático israelense onde a filha dele estudava. Na China, vai aprender mandarim e lá é nosso futuro.

 

Quando perguntei ao adido militar chinês em Zagreb, que antes estava na Bósnia, se falava croata, me respondeu, falo sérvio, mas agora estou aprendendo croata. A diferença entre duas línguas para quem é da região, é mínima, mas absolutamente crucial devido às divergências étnicas. E o general chinês sabia disso. Em geral diplomatas chineses falam bem as línguas onde servem.

 

Muitos brasileiros visitam China, pedem pato laqueado, manuseiam bem os chop sticks, mas poucos a perceberam com tanta profundidade como a historiadora Carmen Lícia, que acompanhou seu marido diplomata Paulo Roberto de Almeida durante a Expo em Shangai. Vale a leitura o livro dela.

 

Na expansão da indústria mineira pelo mundo, quando fui Presidente da FIEMG, tivemos uma oportunidade única de nos conectar à China. Procurados por empresários protestantes de Minas, que queiram ajudar uma universidade dos Estados Unidos a se instalar na América do Sul, propusemos intercâmbio: nós ajudamos você aqui e vocês nos ajudam na China e Rússia, onde eles mantinham escritórios.

 

Os chineses deixaram os pregadores protestantes americanos atuarem na China. Sabiam quem eram e como se comportavam. E quando China começou se abrir para o mundo com Ding Xen Ping, os pastores protestantes ligados ao establishment universitário abriram 12 escritórios pela China para ajudar as empresas americanas a se estabelecerem por lá. Conheciam o país, a língua, e tinham a confiança dos chineses.

 

E com eles fizemos um acordo para representar a indústria mineira. Fui para a China, fiz um curso intensivo de 8 horas diárias por duas semanas sobre China com eles. Claro que não aprendi muito porque a base era fraca. Mas ficou na minha memória a frase chave: Nunca se esqueça quando tratar com qualquer chinês, por mais humilde que seja, que ele carrega consigo seis mil anos de história.

 

Aí veio a visita do Governador de Minas à China, com uma delegação empresarial. Eduardo Azeredo foi recebido por um membro de Politburo do Partido Comunista da China, levando no bolso um pedido de empreiteiras mineiras para participarem da construção da nova fase de hidroelétrica de Três Gargantas. Os chineses já tinham nesse meio tempo copiado o projeto de Itaipu com a ajuda dos engenheiros brasileiros que entregaram todos os pulos do gato, esperando que com isso teriam acesso a obra.

 

Visitei Hong Kong antes de ser anexado à China, mas também visitei Taiwan como chefe da delegação brasileira em encontro empresarial. A delegação de Taiwan era chefiada pelo Presidente da empresa de computadores Acer. E no jantar sentei ao lado do principal executivo da Câmara de Comércio e Indústria de Taiwan, poderosa, e comentei que como refugiado de um país socialista, entendia bem como funciona o regime chinês. E falei mais alguma bobagem. Ele me respondeu que eu não entendia nada, que lá e cá eram chineses, que Taiwan tinha, isso há 25 anos, investidos mais de 30 bilhões de dólares na China, veja a Foxconn, e que eles se entendem muito bem. Just business.

 

A presença chinesa no Brasil também teve seu momento chamado Feira do Paraguai em Brasília e Ponte da Amizade em Foz de Iguaçu. Os chineses souberam já naquela época driblar todas as barreiras e colocar seus produtos para a população brasileira. Com muita competência.

 

E vivi dois exemplos na área industrial. Uma grande rede de roupas masculinas no Brasil que só compra produtos na China, algo que poderia criar uns 5 mil empregos no Brasil. E a empresa que fundamos, a Tecnowatt, hoje em mãos de espanhóis, que não fábrica mais nada, importa da China e vende. O mesmo aconteceu com uma fábrica de medidores elétricos que saiu de Contagem para Manaus.

 

Às vezes esbarro nos chineses e seu modo de gerir as empresas. São de uma competência ímpar inclusive para impor a sua cultura. Várias vezes ouvi falar que expõem o pior funcionário a humilhação pública. Para incentivar a ser o melhor. E trabalham muito e a longo prazo.

 

Abu Dhabi fica para outra hora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sunday 9 April 2023

DA CHINA DE SEIS MIL ANOS

DA CHINA DE SEIS MIL ANOS

 

Quando um Presidente da República vai a um país, todos nós vamos com ele. Independentemente de se ele viaja com 40 deputados, senadores, ministros, carregadores de mala e pasta, puxa-sacos e 250 empresários, os olhos e ouvidos de todos nós estão com ele. As crianças na escola aprendem um pouco mais sobre o país, no caso de hoje a China, e os adultos vão desde, “ainda que não está aqui para fazer besteira” até “que bom que foi para trazer mais investimentos assinando 20 acordos de toda espécie e de toda utilidade”.

 

Nas visitas presidenciais é importante o que se vai dizer, mas mais importante é o que se vai ouvir. O que nos vamos dizer aos chineses, sempre falamos de potencial de investimentos, de nosso futuro e de nossa suposta importância no mundo, está claro. Mas, lembro-me do saudoso Cardeal de Belo Horizonte, fervoroso atleticano, Dom Serafim de Araujo Fernandes, a quem me queixei que o Papa ia receber um dos mais notórios neonazistas europeus, o austríaco Jorg Haider. Ai, Dom Serafim respondeu, “mas Sua Santidade vai lhe dizer alguma coisa que nos dos não sabemos o que é”.

 

Então, o será que os chineses podem dizer a Lula após terem recebido o primeiro-ministro da Espanha, o presidente da França e a presidenta da Comissão Europeia. E depois da visita ao Presidente Xi, reconfirmado por unanimidade para terceiro mandato, ao amigo para sempre, presidente Putin da Rússia. E houve ainda no fim do ano passado a visita do chanceler alemão. Todos indo para Beijing.

 

Não há dúvida alguma de que o momento para visitar é este. A comitiva empresarial, que foi na primeira parte, antes de mudança da visita presidencial, em função de doença do presidente Lula, foi impressionante. A França só teve na comitiva 50 empresários. E a Alemanha também. Mas, vindo com tantos empresários, não importa se uma boa parte foi conhecer o país a primeira vez e as despesas foram pagas pelas entidades empresariais, mas uma parte foi de fato fazer negócios. Da China, como se dizia antigamente.

 

Os chineses precisam de nossos produtos primários. Mas, precisam, antes de mais nada, de território para expandir sua base econômica. Então a nossa adesão à Rota da Seda, que é como coração de mãe, cabe todo mundo, é significativa. A liberdade de investir no maior país da América Latina sem restrições de setor, de tecnologia, ou área geográfica, é o que a China quer. O Brasil é um paraíso sem nenhuma restrição para eles. Até na área de educação, como na implantação de Centros Confúncio, eles têm espaço livre. Vendem o que querem, dominam certos setores como energia (espero que não desliguem turbinas e interruptores de luz) e estão se expandindo sem limites. Isso é ruim? Não sabemos ainda, mas certamente é bom para eles. Se tomarmos como exemplo só uma importadora de roupas da China que diz que se fabricasse no Brasil estariam empregados diretamente 5 mil brasileiros, temos a dimensão de quantos empregos nos criamos lá. Sem falar, por exemplo, dos 300 mil refrigeradores de uma única empresa chinesa a serem exportados para o Brasil. E claro, que como disse uma vez um dirigente da Câmara do Comércio China-Brasil, os chineses importam muito, permitem que Brasil tenha um saldo comercial (não confundir com saldo de balanço de pagamentos) significativo, mas sempre vão apresentar a conta.

 

Neste momento está em discussão o pagamento em moedas dos dois países, real e yuan. Um assunto mal explicado, que dá a impressão de que vamos, como os argentinos, ficar com bilhões de yuans não conversíveis para dólar ou euro para pagar nossas contas com outros países. Aliás, os argentinos fizeram isso, e ninguém pergunta como ficou.

 

Outra questão é nosso acordo com a União Europeia. A China também quer um acordo assim. E provavelmente será um acordo mais simples do que com os europeus. E nesse jogo, os Estados Unidos não querem que Brasil faça qualquer acordo a não ser com eles.

 

E falando dos Estados Unidos, não se pode omitir o fato que eles estão em situação conflituosa com a China. E não é só por causa de Taiwan, onde o Brasil mantém uma representação semi-diplomática há mais de 30 anos. A complexidade dessa relação ultrapassa as fronteiras brasileiras e é interessante observar para que lado o balanço brasileiro vai balançar. Provavelmente para lado nenhum, mantendo a postura de amigos com todos, e inimigos só em último caso.

 

Referente à guerra na Ucrânia, a última reunião do Xi e Putin em Moscou reuniu dois amigos que são considerados pelos Estados Unidos seus dois maiores inimigos deles. Então, a China só vai intervir no conflito ucraniano se isso reforçar a sua liderança em relação à Rússia e a União Europeia e servir para mandar um recado claro aos Estados Unidos sobre o poder que a China tem no mundo de hoje. Um pequeno exemplo dessa política chinesa foi o acordo patrocinado por Beijing entre a Arábia Saudita, aliada incondicional dos Estados Unidos e o Irã, inimigo mortal dos Estados Unidos.

 

Nestes dias em que o noticiário está falando muito de espiões russos no Brasil (claro que há espiões chineses aqui, o que não está claro é se há espiões brasileiros na China), é bom lembrar a história do rompimento das relações diplomáticas durante o  regime militar com a China. O Brasil acusou 11 diplomatas chineses de serem espiões, humilhou-os e os expulsou. Dez anos depois reatou relações diplomáticas e quem veio para abrir a Embaixada da China no Brasil? Os dez expulsos e a alma do último que morreu.

 

A China não é grande pelo tamanho, mas pelos 6 mil anos de sua história, inclusive de 200 anos da vinda dos primeiros imigrantes chineses ao Brasil. Entender isso e formatar uma parceria é um desafio que vai além de colocar a ex-presidente na presidência do Novo Banco, banco dos Brics e achar que somos parceiros só dentro da nossa visão.

 

 

 

Sunday 2 April 2023

DAS JOIAS DE DEMOCRACIA

 DAS JOIAS DE DEMOCRACIA 

 

Muitos doutores no Brasil estão deveras preocupados com a decisão da nossa maior corte de justiça de acabar com a prisão especial para os portadores de diploma de  curso superior. Como estamos na semana em que alguns, mesmo após 58 anos, ainda festejam a revolução, ao invés de reconhecerem que foi golpe, é bom lembrar como isso funcionava na época. Prendiam sem nenhuma base legal, aliás história contada num documentário da Globo.

 

Um dia, um preso reclamamou que tinha direito a prisão especial. O coronel que cuidava da prisão não teve dúvida. Cumpriu a lei: colocou na célula uma placa Prisão Especial e mandou cobrir o cidadão de porrada, para aprender que ele sim respeitava a lei, e o prisioneiro não tinha razão de reclamar.

 

A essa história comum se junta a lembrança da frase do então Vice-Presidente Dr.Pedro Aleixo, político da antiga UDN e respeitado jurista, que, respondendo a pergunta sobre como o STF vai interpretar o ignóbil ato institucional AI número 5 que instituiu a ditadura, respondeu: estou mais preocupado em como o guarda de trânsito vai aplicar o AI.

 

Os tempos de implementação da democracia pelos militares, com ajuda dos Estados Unidos, também foram recentemente lembrados num outro documentário pelo SBT sobre o Relatório Figueiredo, que descreve como foram tratados os índios durante o regime militar. Milhares de mortos, torturados, e expulsos. Ao ponto da historiadora Heloísa Starling, autora de Senhores de Gerais, entre outros livros, se dizer espantada com o segredo dessas barbaridades que, em vítimas, inclusive com inoculação do vírus da varíola e da gripe,  ultrapassam milhares de pessoas mortas e desaparecidas. E ai não há nada para se espantar quando você vê o que acontece nos dias de hoje com os Yanomamis na Amazônia. São os mesmos protetores dos índios, que se dizem melhores conhecedores do teritório, mas esqueceram os ensinamentos do Marechal Rondon e dos irmãos Villas Boas.

 

Tudo isso nos leva à reflexão sobre como manter um sistema democrático vivo no meio dos seus desvios. Neste momento vivemos momentos históricos que podem determinar o rumo da nossa civilização. O ex-Presidente dos Estados Unidos, um notório líder conservador inconsequente nos atos e gestos, está prestes a ser preso. Mas, não pelas barbaridades que cometeu no exercício de cargo, senão, no padrão de Al Capone, no deslize banal de suborno de uma atriz pornô.

 

Ou seja, mesmo que outras denúncias venham à tona, o julgamento será por uma coisa relativamente banal em relação a tudo o mais que ele fez. E o mais surpreendente é que mesmo que ele não possa se candidatar, as ideias destruidoras da democracia continuam prevalecendo entre os seus seguidores e candidatos do seu partido à presidência dos Estados Unidos. E a avalanche destruidora não para aí: muitos dirigentes no mundo preferem o trumpismo no governo norte-americano do que uma onda democrática. E nisso se inclui o Primeiro-Ministro de Israel Bibi, que com seus radicais religiosos quer subverter a qualquer custo,  inclusive o da segurança do próprio país, a sua ordem democrática. Sem falar das outras ditaduras no Oriente Médio, África e Ásia. A América Latina entra na lista sob título hors concours como era Clovis Bornay.

 

Aí chega-se à democracia brasileira, onde o Trump tropical também não é julgado pelas mortes que suas políticas provocaram pela ignorância da epidemia de COVID, mas por algumas joinhas que recebeu através do seu Ministro de Minas e Energia à meia noite (segundo o jornal O Estado de São Paulo, após o jantar quando provavelmente as coisas ficaram acertadas). A história dessas joinhas, diga-se de passagem, já que ninguém sabe quantos outros presentes rolaram pela família e auxiliares durante estes anos todos, merece uma série especial no Netflix, como aliás fizeram com a natimorta Lava Jato e sua personagem principal.

 

Como vai funcionar o regime democrático brasileiro, cuja base, corroída nos seus valores básicos, se mantém? Como nos Estados Unidos tem uma forma, por aqui o sistema de joinhas se amplia de outras formas (o arcabouço fiscal preve economia de  100 bilhões e não diz uma palavra sobre os 20 bilhões do orçamento secreto dos parlamentares) e não se vê a curto prazo uma mudança que permitiria uma consolidação democrática mais firme. Ou seja clonagem ou interpretação ao gosto de cada um, de que a democracia norte-americana representa num momento da história, às vezes, o Brasil experimentou isso em 1964 e agora com Trump, pode não ser o melhor modelo. Claro que isso vale para todos os modelos de gestão política que não levarão ao fortalecimento de uma democracia representativa e a uma economia de mercado.

 

 

Há uma ilusão de que as eleições são a base da  democracia. Sim, sem elas não há democracia. Elas são cláusula pétrea. Mas, depende de que forças democráticas participam, de quem são os atores. Pelo jeito que o mundo vai, estamos mais para a turma das  joinhas do que qualquer coisa. E a saída disso é uma só: o sucesso de medidas nos campos sociais,  políticos e econômicos de um governo democrático que convença os eleitores.  Não com falas, mas com fatos.