DAS JOIAS DE DEMOCRACIA
Muitos doutores no Brasil estão deveras preocupados com a decisão da nossa maior corte de justiça de acabar com a prisão especial para os portadores de diploma de curso superior. Como estamos na semana em que alguns, mesmo após 58 anos, ainda festejam a revolução, ao invés de reconhecerem que foi golpe, é bom lembrar como isso funcionava na época. Prendiam sem nenhuma base legal, aliás história contada num documentário da Globo.
Um dia, um preso reclamamou que tinha direito a prisão especial. O coronel que cuidava da prisão não teve dúvida. Cumpriu a lei: colocou na célula uma placa Prisão Especial e mandou cobrir o cidadão de porrada, para aprender que ele sim respeitava a lei, e o prisioneiro não tinha razão de reclamar.
A essa história comum se junta a lembrança da frase do então Vice-Presidente Dr.Pedro Aleixo, político da antiga UDN e respeitado jurista, que, respondendo a pergunta sobre como o STF vai interpretar o ignóbil ato institucional AI número 5 que instituiu a ditadura, respondeu: estou mais preocupado em como o guarda de trânsito vai aplicar o AI.
Os tempos de implementação da democracia pelos militares, com ajuda dos Estados Unidos, também foram recentemente lembrados num outro documentário pelo SBT sobre o Relatório Figueiredo, que descreve como foram tratados os índios durante o regime militar. Milhares de mortos, torturados, e expulsos. Ao ponto da historiadora Heloísa Starling, autora de Senhores de Gerais, entre outros livros, se dizer espantada com o segredo dessas barbaridades que, em vítimas, inclusive com inoculação do vírus da varíola e da gripe, ultrapassam milhares de pessoas mortas e desaparecidas. E ai não há nada para se espantar quando você vê o que acontece nos dias de hoje com os Yanomamis na Amazônia. São os mesmos protetores dos índios, que se dizem melhores conhecedores do teritório, mas esqueceram os ensinamentos do Marechal Rondon e dos irmãos Villas Boas.
Tudo isso nos leva à reflexão sobre como manter um sistema democrático vivo no meio dos seus desvios. Neste momento vivemos momentos históricos que podem determinar o rumo da nossa civilização. O ex-Presidente dos Estados Unidos, um notório líder conservador inconsequente nos atos e gestos, está prestes a ser preso. Mas, não pelas barbaridades que cometeu no exercício de cargo, senão, no padrão de Al Capone, no deslize banal de suborno de uma atriz pornô.
Ou seja, mesmo que outras denúncias venham à tona, o julgamento será por uma coisa relativamente banal em relação a tudo o mais que ele fez. E o mais surpreendente é que mesmo que ele não possa se candidatar, as ideias destruidoras da democracia continuam prevalecendo entre os seus seguidores e candidatos do seu partido à presidência dos Estados Unidos. E a avalanche destruidora não para aí: muitos dirigentes no mundo preferem o trumpismo no governo norte-americano do que uma onda democrática. E nisso se inclui o Primeiro-Ministro de Israel Bibi, que com seus radicais religiosos quer subverter a qualquer custo, inclusive o da segurança do próprio país, a sua ordem democrática. Sem falar das outras ditaduras no Oriente Médio, África e Ásia. A América Latina entra na lista sob título hors concours como era Clovis Bornay.
Aí chega-se à democracia brasileira, onde o Trump tropical também não é julgado pelas mortes que suas políticas provocaram pela ignorância da epidemia de COVID, mas por algumas joinhas que recebeu através do seu Ministro de Minas e Energia à meia noite (segundo o jornal O Estado de São Paulo, após o jantar quando provavelmente as coisas ficaram acertadas). A história dessas joinhas, diga-se de passagem, já que ninguém sabe quantos outros presentes rolaram pela família e auxiliares durante estes anos todos, merece uma série especial no Netflix, como aliás fizeram com a natimorta Lava Jato e sua personagem principal.
Como vai funcionar o regime democrático brasileiro, cuja base, corroída nos seus valores básicos, se mantém? Como nos Estados Unidos tem uma forma, por aqui o sistema de joinhas se amplia de outras formas (o arcabouço fiscal preve economia de 100 bilhões e não diz uma palavra sobre os 20 bilhões do orçamento secreto dos parlamentares) e não se vê a curto prazo uma mudança que permitiria uma consolidação democrática mais firme. Ou seja clonagem ou interpretação ao gosto de cada um, de que a democracia norte-americana representa num momento da história, às vezes, o Brasil experimentou isso em 1964 e agora com Trump, pode não ser o melhor modelo. Claro que isso vale para todos os modelos de gestão política que não levarão ao fortalecimento de uma democracia representativa e a uma economia de mercado.
Há uma ilusão de que as eleições são a base da democracia. Sim, sem elas não há democracia. Elas são cláusula pétrea. Mas, depende de que forças democráticas participam, de quem são os atores. Pelo jeito que o mundo vai, estamos mais para a turma das joinhas do que qualquer coisa. E a saída disso é uma só: o sucesso de medidas nos campos sociais, políticos e econômicos de um governo democrático que convença os eleitores. Não com falas, mas com fatos.
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