DA CHINA DE SEIS MIL ANOS
Quando um Presidente da República vai a um país, todos nós vamos com ele. Independentemente de se ele viaja com 40 deputados, senadores, ministros, carregadores de mala e pasta, puxa-sacos e 250 empresários, os olhos e ouvidos de todos nós estão com ele. As crianças na escola aprendem um pouco mais sobre o país, no caso de hoje a China, e os adultos vão desde, “ainda que não está aqui para fazer besteira” até “que bom que foi para trazer mais investimentos assinando 20 acordos de toda espécie e de toda utilidade”.
Nas visitas presidenciais é importante o que se vai dizer, mas mais importante é o que se vai ouvir. O que nos vamos dizer aos chineses, sempre falamos de potencial de investimentos, de nosso futuro e de nossa suposta importância no mundo, está claro. Mas, lembro-me do saudoso Cardeal de Belo Horizonte, fervoroso atleticano, Dom Serafim de Araujo Fernandes, a quem me queixei que o Papa ia receber um dos mais notórios neonazistas europeus, o austríaco Jorg Haider. Ai, Dom Serafim respondeu, “mas Sua Santidade vai lhe dizer alguma coisa que nos dos não sabemos o que é”.
Então, o será que os chineses podem dizer a Lula após terem recebido o primeiro-ministro da Espanha, o presidente da França e a presidenta da Comissão Europeia. E depois da visita ao Presidente Xi, reconfirmado por unanimidade para terceiro mandato, ao amigo para sempre, presidente Putin da Rússia. E houve ainda no fim do ano passado a visita do chanceler alemão. Todos indo para Beijing.
Não há dúvida alguma de que o momento para visitar é este. A comitiva empresarial, que foi na primeira parte, antes de mudança da visita presidencial, em função de doença do presidente Lula, foi impressionante. A França só teve na comitiva 50 empresários. E a Alemanha também. Mas, vindo com tantos empresários, não importa se uma boa parte foi conhecer o país a primeira vez e as despesas foram pagas pelas entidades empresariais, mas uma parte foi de fato fazer negócios. Da China, como se dizia antigamente.
Os chineses precisam de nossos produtos primários. Mas, precisam, antes de mais nada, de território para expandir sua base econômica. Então a nossa adesão à Rota da Seda, que é como coração de mãe, cabe todo mundo, é significativa. A liberdade de investir no maior país da América Latina sem restrições de setor, de tecnologia, ou área geográfica, é o que a China quer. O Brasil é um paraíso sem nenhuma restrição para eles. Até na área de educação, como na implantação de Centros Confúncio, eles têm espaço livre. Vendem o que querem, dominam certos setores como energia (espero que não desliguem turbinas e interruptores de luz) e estão se expandindo sem limites. Isso é ruim? Não sabemos ainda, mas certamente é bom para eles. Se tomarmos como exemplo só uma importadora de roupas da China que diz que se fabricasse no Brasil estariam empregados diretamente 5 mil brasileiros, temos a dimensão de quantos empregos nos criamos lá. Sem falar, por exemplo, dos 300 mil refrigeradores de uma única empresa chinesa a serem exportados para o Brasil. E claro, que como disse uma vez um dirigente da Câmara do Comércio China-Brasil, os chineses importam muito, permitem que Brasil tenha um saldo comercial (não confundir com saldo de balanço de pagamentos) significativo, mas sempre vão apresentar a conta.
Neste momento está em discussão o pagamento em moedas dos dois países, real e yuan. Um assunto mal explicado, que dá a impressão de que vamos, como os argentinos, ficar com bilhões de yuans não conversíveis para dólar ou euro para pagar nossas contas com outros países. Aliás, os argentinos fizeram isso, e ninguém pergunta como ficou.
Outra questão é nosso acordo com a União Europeia. A China também quer um acordo assim. E provavelmente será um acordo mais simples do que com os europeus. E nesse jogo, os Estados Unidos não querem que Brasil faça qualquer acordo a não ser com eles.
E falando dos Estados Unidos, não se pode omitir o fato que eles estão em situação conflituosa com a China. E não é só por causa de Taiwan, onde o Brasil mantém uma representação semi-diplomática há mais de 30 anos. A complexidade dessa relação ultrapassa as fronteiras brasileiras e é interessante observar para que lado o balanço brasileiro vai balançar. Provavelmente para lado nenhum, mantendo a postura de amigos com todos, e inimigos só em último caso.
Referente à guerra na Ucrânia, a última reunião do Xi e Putin em Moscou reuniu dois amigos que são considerados pelos Estados Unidos seus dois maiores inimigos deles. Então, a China só vai intervir no conflito ucraniano se isso reforçar a sua liderança em relação à Rússia e a União Europeia e servir para mandar um recado claro aos Estados Unidos sobre o poder que a China tem no mundo de hoje. Um pequeno exemplo dessa política chinesa foi o acordo patrocinado por Beijing entre a Arábia Saudita, aliada incondicional dos Estados Unidos e o Irã, inimigo mortal dos Estados Unidos.
Nestes dias em que o noticiário está falando muito de espiões russos no Brasil (claro que há espiões chineses aqui, o que não está claro é se há espiões brasileiros na China), é bom lembrar a história do rompimento das relações diplomáticas durante o regime militar com a China. O Brasil acusou 11 diplomatas chineses de serem espiões, humilhou-os e os expulsou. Dez anos depois reatou relações diplomáticas e quem veio para abrir a Embaixada da China no Brasil? Os dez expulsos e a alma do último que morreu.
A China não é grande pelo tamanho, mas pelos 6 mil anos de sua história, inclusive de 200 anos da vinda dos primeiros imigrantes chineses ao Brasil. Entender isso e formatar uma parceria é um desafio que vai além de colocar a ex-presidente na presidência do Novo Banco, banco dos Brics e achar que somos parceiros só dentro da nossa visão.
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