A expressão, no vinho está a verdade, cabe feito uma luva na hora que três das mais importantes vinícolas brasileiras são acusadas de práticas ilegais no trato de seus trabalhadores. As vinícolas usam mão de obra temporária durante a vindímia, que no Brasil ocorre no início do ano, e essa relação é complexa no mundo inteiro. Os trabalhadores vêm por um período muito curto, com trabalho muito intenso, e em geral mal pago. Aliás, os antecestrais dos que hoje dirigem as vinícolas vieram da Itália nessas condições. O mesmo acontece com a colheita de café. Há cem anos atrás vinham navios com imigrantes para essa finalidade. Alguns ficaram no Brasil e outros voltaram para a Europa.
As cenas apresentadas na TV são chocantes. Aliás, não é o único caso apresentado de trabalho escravo no Brasil. Temos quase tradição, em algumas áreas, desse tratamento. Às vezes isso aparece, mas na maioria dos casos e em especial longe de centros urbanos, fica escondido até um ou outro caso aparecer em público.
No caso gaúcho, há de se perguntar se a prática de trazer os trabalhadores para a vindíma de um lugar distante a mais de 3 mil km, só aconteceu este ano, ou só foi descoberta este ano. Por outro lado, as três empresas acusadas são tradicionais. Uma delas é centenária e o quinto maior exportador de espumantes para os Estados Unidos. As outras duas foram fundadas há noventa anos. E também são exportadoras. Aliás, 60 % das vinícolas brasileiras estão na Serra Gaúcha, que produz 90 % de vinho no Brasil.
O vinho brasileiro é exportado para 53 países, quase 13 milhões de litros no ano passado, e ganhou inúmeros prêmios internacionais. Tanto o consumo interno como a exportação têm crescido. 50 milhões de brasileiros bebem vinho, ou seja, a média per capita é de mais de 2 litros por ano.
Apesar de que o brasileiro rico prefere vinhos importados, que têm um mercado aberto e lucrativo no Brasil, o vinho brasileiro, com ajuda da Embrapa e muitos investimentos, melhora de qualidade a cada ano. No ano passado, o consumo, que cresceu muito durante a epidemia, caiu: 6.2% para vinhos importados e o dobro, 12.8 % para vinhos nacionais.
Ou seja, a desgraça nunca vem sozinha. Que o episódio apresentado e apimentado com declarações xenofóbicas de um vereador da região vinícola gaúcha, tem consequências para as três empresas, tem. A pergunta que não teve resposta é, isso acontecia e ninguém viu? Os dirigentes de empresa, sua área gerencial, o pessoal da Embrapa que vive nas vinícolas, clientes que inspecionam, turistas que visitam durante vindímia as vinícolas, todos com olhos e ouvidos fechados? E aconteceu em outras empresas? Deu ruim. Não ficou bem e ninguém esclareceu nada. Aliás, a gloriosa PRF, que era tão ciosa de suas funções durante as eleições, não vê o transporte dessas pessoas num trajeto de 3 mil quilômetros?
As rainhas do vinho com seu charme visitavam presidentes da república e promoviam vinhos gauchos. E os negócios mesmo com dificuldades iam bem. O fato é que episódios como esse, quando se trata do produto final, acabam com a história bem sucedida e trabalhosa, num piscar de olhos. Acidentes com pizzas da Nestlé na França, leite para crianças da Lactalis, também na França, vinhos austríacos que usava sulfato venenoso para “melhorar “ a qualidade ou acidentes como de Brumadinho e Mariana, custam muito para o consumidor, a sociedade e as empresas.
Os valores morais e éticos dos consumidores, em especial mais jovens, evoluíram, e são mais rigorosos. As empresas, aliás na área de mineração está sendo feito isso mais recentemente, têm que incluir na sua gestão também esses valores. Se assistir o filme Vindima, em espanhol sobre como eram tratados os trabalhadores emigrantes italianos quando chegaram ao Brasil e à Argentina, fica a pergunta, os herdeiros não apreenderam nada?