DO ARROMBO NO PLANALTO AO ROMBO NA FARIA LIMA
Janeiro deste ano merece mudar para agosto, mês tradicionalmente trágico na política brasileira. Após o arrombo na Esplanada em Brasília, cai logo em seguida uma bomba atômica na Faria Lima em São Paulo, capital financeira do país. Enquanto em Brasília ainda estão se recuperando e descobrindo o que aconteceu e o que pode ainda acontecer, a bomba das Lojas Americanas tem o mesmo efeito mas com números mais exatos.
Quando o gato subiu no telhado e foram anunciadas inconsistências contábeis de 20 bilhões de reais, já foi assustador.E quando o gato chegou no telhado e falaram de 40 bilhões, o susto congelou. São míseros 8 bilhões de dólares. Dinheiro grande em qualquer lugar do mundo.
A empresa, que tem 90 anos no mercado, e tem como sócios majoritários três dos maiores capitalistas brasileiros, com ramificações na área de cerveja, InBev e mais muitos outros negócios, tem um rombo desse tamanho descoberto pelo novo CEO da empresa em alguns dias. No conselho da empresa estão dois dos representantes dos acionistas majoritários, o próprio guru dos gurus Sicupira e o filho do outro sócio, o homem mais rico do Brasil, Jorge Lemann. Teoricamente, no Conselho de administração, com essa composição, ninguém detectou o que estava acontecendo. E teoricamente os auditores, além dos diretores, também não detectaram o que estava acontecendo para chegar a esse resultado tão nefasto.
Lendo o relatório anual da empresa (ri.americanas.oi) para o ano 2021, que diz que o propósito da empresa é “Somar o que o mundo tem de bom para melhorar a vida das pessoas”, você fica maravilhado. Uma empresa com 51 milhões de clientes, 3500 lojas físicas, 137 milhões de itens à disposição dos clientes, 55 bilhões de faturamento anual, 731 milhões de lucro líquido em 2021 e 44 mil colaboradores. Além dos famosos investidores 3 G, Lemann, Sicupira e Telles, há mais 600 fundos de investimentos, inclusive fundos de pensão, que investem na empresa. E o relatório, que dedica a maior parte às ações da empresa na sua responsabilidade ambiental, social e governança, ESG, suas estratégias de desenvolvimento, é um caso exemplar onde diz tudo mas esconde o principal: as tais inconsistências contábeis que provocaram esse rombo de 40 bilhões de reais.
A pergunta que não cala é como um time tão qualificado não sabia o que estava acontecendo. Ou sabia e se beneficiava com o modelo implementado. A dúvida que mata! Aliás, o 3 G já teve um caso similar na sua empresa nos Estados Unidos, Heinz. E ninguém pode dizer que essa inconsistências não são praticadas também em outros negócios do grupo que inclui cervejarias, alimentação etc.
Nos negócios, quando um perde, outro ganha. O ajuste de uma empresa desse tamanho será brutal. E os primeiros a pagar a conta serão pequenos acionistas, funcionários e fornecedores. E os bancos que emprestaram dinheiro. Entre eles, um dos menos prejudicados é, por incrível que pareça, o Banco do Brasil. Estatal, cuidadoso e tradicional. Quanto aos funcionários desprotegidos, porque os sindicatos foram trucidados, mal preparados para requalificação a ( a empresa se orgulha de dizer que investe 11 horas em treinamento por funcionário por ano), vão encontrar emprego onde? 3 G é conhecida no mundo inteiro por suas relações com capital humano, como empresa de ações com sangue frio e calculista. Então, em um episódio assim, pode-se imaginar o que se espera na reestruturação. Os anúncios de que os acionistas preferenciais, os donos do negócio, vão capitalizar a empresa com bilhões, lembram o ditado chinês que diz que rico não come vidro e nem rasga dinheiro.
O efeito dominó desse episódio, inclusive questionando o modelo de negócios do varejo brasileiro, o modelo de investimentos dos fundos, os controles contábeis e papel dos órgãos reguladores e mais e mais, ainda será medido. Provavelmente, o governo Lula, com seus magos econômicos ainda preocupados com o vandalismo no Planalto, ainda não se deu conta desse evento chamado na literatura econômica de fraude. Suas consequências econômicas e sociais abalam a estrutura do mercado financeiro e do mercado de trabalho e ameaçam eventualmente o crescimento do país.
Aliás, o problema de fraudes empresariais, e o evento das Americanas pode se enquadrar nesta categoria, muito bem descrita em um artigo recente do Prof.Alexander Dyck da Universidade de Toronto Canadá (How pervasive is corporate fraud?)
Ele explica que 40 % das empresas cotadas na bolsa de valores nos Estados Unidos cometem fraudes e que isso destrói enormemente o valor das empresas. No caso das Americanas, após o anúncio de discrepâncias, o valor da empresa, além do rombo de 40 bilhões, caiu 80 %. Nos EUA há neste momento três casos bilionários de fraudes, o mais famoso no passado foi o da Enron, que são os de criptomoedas TRX, de caminhões elétricos Nikola e da start up Theranos.
Quantos casos há no Brasil, lembramos de EIke Batista, ninguém sabe. Como disse um advogado, se escrever um livro sobre isso, será de tomos infindáveis.
A responsabilidade empresarial nessa história vai no caminho de reduzir prejuízos. Qual será papel do estado e seus agentes, será um teste para o governo Lula. Algumas ações já foram tomadas pelo judiciário e o Ministério público, mas o tamanho do desastre requer também uma ação coordenada e liderada pelo governo. Uma espécie de comitê de crise. Lembro o caso de uma montadora que dispensou da noite para o dia 12 mil funcionários para fazer bonito para os acionistas e, questionada se alguém do governo os questionou, era governo FHC, responderam: nos cuidamos do lucro, do problema social o governo que cuida.
Apertem os cintos que o céu não será de brigadeiro.
BVMF:AMER3