Da Argentina turbulenta
A
semana de mau tempo em Buenos Aires não foi só de chuvas e trovoadas
propriamente ditas, mas de uma turbulência econômica assustadora. Surpreendente,
de certa forma, porque os incautos observadores da república portenha achavam
que os piores momentos na economia passaram e que o governo Macri era só
alegria. A sua aceitação internacional, a vitória nas eleições parlamentares intermediárias, a determinação
em fechar acordos internacionais através do Mercosul e algumas reformas
sistêmicas, davam a impressão de um futuro brilhante e de uma re-eleição
garantida no próximo ano.
Mas, o descontrole do câmbio, a repentina elevação dos
juros pelo Banco Central (taxa básica de 40 % ao ano), a elevação da inflação (
prevista para este ano em 20 %) ,
levaram a Argentina, com a desculpa de que o dólar norte-americano se
sobrevalorizou e prejudicou o peso argentino, a um turbilhão inesperado para os
incautos e bem-vindo para todos aqueles que sempre ganham com a crise
argentina. O capital, que vinha alegre, e em quantidade, de repente, saiu do
país, com a mesma alegria, como escreveu o influente New York Times. Aliás,
algo para lembrar no caso brasileiro, em que teimamos que capital só vem, e que
não vai embora em velocidade ainda maior quando realizou seus lucros ou sentiu
o perigo. O Banco Central argentino queimou, para manter a moeda em pé, mais de
cinco bilhões de dólares.E aí vêm as declarações tantas vezes já ouvidas pelos
investidores estrangeiros das autoridades argentinas, só mudam os nomes, mas
não as frases, de como tudo está calmo e resolvido.
No
Brasil temos mais especialistas em Europa, agora em China e Estados Unidos, do
que entendedores de Argentina. A crise cambial argentina bate de frente com a
recuperação da economia e, em especial, da indústria brasileira. Nosso
superavit comercial, basicamente de manufaturados, de 10 bilhões de dólares,
com Argentina, é resultado da recuperação da economia portenha. E a nossa
exportação de automóveis é principalmente destinada ao país vizinho. Como 70 %
de automóveis produzidos na Argentina usam peças importadas e a maior parte dos
automóveis é importada, a desvalorização de 30 % da moeda local terá efeitos
imediatos no custo e no preço de venda. Em resumo, acabou a alegria. Ficou mais
uma vez a saudade da boa relação comercial.
A
nossa aliança com a Argentina deveria ter sido mais solidamente revista há mais
tempo. Mas, como somos também mais de vento do que de formação de uma política
externa e comercial a longo prazo, acabamos aceitando esse tipo de eventos como
normais. Aliás, estamos nos iludindo com superávits comerciais, inclusive com a
China, sem nenhum fundamento sólido para uma relação consistente a longo prazo.
Estamos confundindo balança comercial com balanço de pagamentos. Também no
Brasil vai faltar dólar em breve, com a gestão e com a política de comércio
exterior que temos. E mais, devido à base exportadora, que se restringe a
poucos empresas, poucos produtos e poucos mercados. O efeito vodka, eu serei
você amanhã, poderá se repetir, sem sabermos quando e como.