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Monday, 16 December 2019

DO ANO NOVO CHINES

DO FIM DO ANO CHINES

O principal jogo dos chineses é GO. É um jogo de tabuleiro inventado há 2500 anos, ou seja 2000 anos antes da descoberta do Brasil,  jogado por dois jogadores. Num jogo abstrato de estratégia, ganha quem conquista mais território no tabuleiro. E todas as informações disponíveis dizem que é um dos mais complexos jogos existentes. Até mais do que o xadrez que pelo menos nós ocidentais consideramos muito complexo.

A referência a GO veio à tona agora que os dois governos, da China e dos  Estados Unidos, declaram trégua na guerra comercial e dizem que concordam que os Estados Unidos não apliquem tarifas adicionais em compras de produtos chineses no valor de 360 bilhões de dólares (o que representa umas vez e meia das exportações brasileiras anuais).Os chineses também concordaram em aumentar as compras de produtos americanos, em especial agrícolas, no valor de 50 bilhões de dólares. E mais , produtos farmacêuticos, petróleo, e outros manufaturados. E se comprometeram em  não manipular a moeda, não subsidiar empresas estatais e respeitar patentes e propriedade intelectual das empresas americanas.

No meio do jogo, os americanos mandaram de volta alguns espiões chineses, (aliás nos estamos convencidos que no Brasil não há ativo serviço de inteligência chinês),restringiram o movimento dos diplomatas chineses nos Estados Unidos,  deram um grande golpe na Organização Mundial do Comércio, não nomeando os árbitros (o que inviabiliza as disputas comerciais entre os países  e torna o comércio uma selva), mas  os chineses também fizeram de Trump o aparentemente grande vencedor da disputa (ele também conseguiu aprovação do novo acordo com o México e Canadá) e forte candidato à re-eleição.

Como a guerra não era comercial, apesar de que o comércio estava na pauta, a disputa entre os dois países está longe de ser resolvida. As tropas voltaram para os quartéis, afiando as baionetas para a próxima batalha. E a batalha é simples: ou  mudança do atual modelo de divisão de atividades  econômicas  (quem produz o que para quem) ou manutenção deste modelo de cooperação em condições diferentes das praticadas até agora e que levaram os dois países a se enriquecerem em níveis elevados, mas com a China se fortalecendo politicamente e, principalmente, militarmente,  além de ter tomado muitos mercados dos Estados Unidos, que não voltam mais para as empresas americanas.

Estas explicações batem no Brasil. Nos somos parte do acordo entre essas duas potenciais. Os chineses nos usaram para mostrar aos Estados Unidos que têm alternativa nas suas compras de alimentos. Os Estados Unidos perceberam, aliás nada difícil de se ver, e castigaram o Brasil na importação de aço com sobretarifa e avisaram que não vão permitir  a manipulação do cambio (como se houvesse).  Os chineses vão voltar a comprar nos Estados Unidos e reduzir as compras no Brasil. Somos mais competitivos do que os  produtores americanos, então, sem preocupação, dizem os leigos agro. Ledo engano, porque nem no campo somos tão competitivos como se alega e o comercio agrícola  internacional é  essencialmente um jogo politico-comercial-diplomático. E sorry agro business brasileiro, entre esses jogadores,  nos somos gandulas no campo de futebol da várzea. 

Alias, o próximo ano será nesse campo, de grandes  emoções. Se nos dependermos muito da entrada de capital chinês para equilibrar nossas contas externas, ao mesmo tempo que teremos que decidir a nossa opção pela adoção  do sistema 5 G, teremos que pensar muito em como equilibrar tudo isso. Não será nem fácil e nem divertido.

Não é que não fomos bem sucedidos até agora ou que houve incompetência, mas o jogo esta mudando. É bem mais  complexo e envolve todos os atores políticos e econômicos do país. Trump, gostando ou não dele, está sabendo jogar para o bem do seus constituintes. É sempre bom lembrar que países não tem amigos, mas interesses e alguns, nesse jogo, jogam GO e pôquer ao mesmo tempo.

Tuesday, 10 December 2019

DA FALTA DE QUE MESMO? CARNE?

DA FALTA DE QUE  MESMO? CARNE?

Não falta carne na mesa do brasileiro. É mentira que não tem carne na praça. Carne tem à vontade nos açougues, supermercados, nos matadouros municipais e clandestinos pelo país afora. Então porque tanta reclamação? 

Simples, não tem dinheiro para comprar a carne de boi, frango, e mais tantos produtos agrícolas, inclusive frutas e verduras. Os preços determinados pela lei de mercado, oferta e procura (alguém já queria eliminar essa lei, mas não conseguiu) subiram além da capacidade da maioria dos brasileiros de comprar. César esta nu, como conta a lenda. Esse choque de preços de produtos agro mostrou toda a fraqueza da nossa economia,  que tem um consumidor cada vez mais empobrecido e sem condições de comprar os alimentos que consome e que o mercado oferece.

Os 30 milhões de desempregados e sub empregados, e mais os outros, com salários congelados, são consumidores imaginários e não reais. Porque? Porque os produtos não alimentares, compram à prestação, pagam com cartão de crédito em n vezes, mas a feira e a comida de todo dia, não dá para comprar fiado. Ou quando comprar, tem que pagar em seguida. E para isso, enquanto os preços estavam estabilizados, o povo aguentava. Só não via a subida de preços na feira quem nunca foi lá. Mas agora, com a subida do preço da carne bovina em 40 % em pouco espaço de tempo, o balão de ilusão de que estava dando para aguentar estourou. E pelo jeito que os lideres do agronegócio anunciam, especificamente o presidente da Confederação Nacional de Agricultura, o preço da carne não volta para o  patamar anterior.

Sem entrar no mérito das grandes teorias econômicas, para cuja defesa e explicação não faltam doutores no país (inclusive educados no exterior), a certeza é que agora vai subir tudo. Atrás do boi vai o frango, arroz, milho, soja, verdura, feijão  e tudo mais. E começa também a pressão sobre salários, já que quem tem emprego também não consegue pagar a conta. Em resumo: voltamos à espiral inflacionária? Pela estatísticas não, mas recentemente o governo teve que corrigir os dados do comércio exterior, erros de digitalização, o que coloca dúvida sobre se não pode haver outros erros. E a outra pergunta que fica é se panelas vazias, desta vez de fato, vão ficar só em casa, ou vão sair  para a rua.

Nessa complexidade há alguns elementos que surgem para pensar sobre o assunto. Um deles é se os 232 milhões de cabeças de gado que temos no Brasil, com produtividade media de 1.8 bois por hectare (baixíssima em termos mundiais) atendem o mercado interno e externo. A mesma pergunta vale para todo o setor agrícola: a produção  brasileira é suficiente para garantir o abastecimento interno e mais atender à demanda externa? Os chineses garantiram, na crise que estão passando com a peste suína e outros problemas, o abastecimento de sua população. Isso para eles é prioridade e pagam o preço que for. O fato de nós entrarmos nesse jogo é normal, faz parte da economia de mercado, mas não é normal que outras medidas de salvaguarda do abastecimento interno não tenham sido tomadas. Ou que não fosse, na ânsia de vender e mais vender e atender os chineses, visto como vai ficar o trabalhador brasileiro que não tem dinheiro para se alimentar nos preços que estão aí.

Paradoxal é que o Partido Comunista chinês  (os chineses, que não queriam aprovar os frigoríficos brasileiros, de repente aprovaram  todos) cuida bem dos seus constituintes e nós estamos aqui na  democracia achando que o mercado resolve tudo. Talvez chegamos à situação russa, quando a Tzarina Catarina, ao lhe trazerem o  problema da fome do povo, disse que lhes dêem caviar. No STF já resolveram isso com lagostas. Bem, com manchas de óleo, também os peixes sumiram, só para não esquecer que temos mais um problema. 

Já faltou boi no pasto no passado, então lições não faltam. E agora falta observar como esse no górdio criado no agro vai ser desatado. Em  dezembro, com festas, férias em janeiro e carnaval em fevereiro, na porta e na mesa.

Stefan Salej

Monday, 2 December 2019

DO AGRO, DO CAMPO, DO BOI E DA VACA E DO BREJO


DO AGRO, DO CAMPO, DO BOI E DA VACA E DO BREJO

O agro brasileiro está hoje na crista da onda. Todos acreditam que,  sem as conquistas que o setor obteve nos últimos anos, o Brasil estaria quebrado. É o agro que está na moda, é Pop como diz uma emissora de TV, e está por cima da carne seca, como diz o povo.

Há muita verdade nisso, mas também é hora mais do que certa de analisarmos, no meio dessa euforia, qual será o futuro desse setor na economia brasileira. Aliás, para começar, a pergunta é qual é o modelo de desenvolvimento econômico e social que o país quer, sem ser um monte de declarações das autoridades estabelecidas e não estabelecidas e nenhum plano e com objetivos e resultados claros. Ou seja, não quanto vai crescer o PIB nesses cenários, mas quanto vai crescer a renda e diminuir a desigualdade, entre outros indicadores. Apesar de não termos um projeto claro na área econômica , temos que reconhecer que o setor agrícola é importante e, no momento, o que tem melhores perspectivas de crescer.

Bem, não nos esqueçamos da história, quando o Brasil já era uma potência agrícola, o caso da monocultura do café ou da borracha, e quando perdemos o mercado ou perdemos tudo. Uma revisão no auge do sucesso, alias algo que preconiza o professor Marcos Jank da Insper, é saudável, é absolutamente necessária. Se não pensarmos para a frente e muito para a frente e nos iludirmos que somos os melhores do mundo, que  por exemplo  a China acaba sem soja brasileira, o nosso futuro não existe. E aí vem a pergunta, o setor agrícola tem massa crítica para uma revisão dessas? Por exemplo, o setor industrial não teve essa capacidade. E aí está o resultado: 12 % do PIB brasileiro hoje representa uma indústria que já teve 35 % há vinte anos atrás.

O agro enfrentará os desafios tecnológicos e com eles também o problema da mão de obra. Não basta a re-estruturação da EMBRAPA, se o sistema de pesquisa no país como um todo, incluindo suas universidades, está em declínio. Pesquisa nessa área demora, custa muito dinheiro e precisa de gente. E hoje ela  é dominada pelas multinacionais, inclusive chinesas, e suas universidades com recursos intermináveis.

No quesito mercado, a verdade  é que não somos players com produtos industrializados ou até semi-industrializados.  Há há alguns exemplos na área de carnes brancas, mas longe de termos marcas que poderiam valorizar mais os nossos produtos. E também temos que levar em consideração o envelhecimento de população mundial, mudança  de hábitos de alimentação, e não final exigências cada vez mais rigorosas dos países compradores tanto no processo como nos produtos. Em resumo, num mercado onde nossas redes de distribuição dependem de empresas estrangeiras, somos muito mais comprados do que vendemos.

O setor que tem enorme potencial, também tem que ter políticas claras quanto ao meio ambiente. Não se trata só da Amazônia, trata-se de toda a cadeia produtiva no país inteiro. E negar que esse assunto não prejudica as vendas do setor no exterior é tapar o sol com a peneira. E aí vem também uma enorme possibilidade na área de produtos oriundos da biodiversidade brasileira. Por exemplo, o  açaí é muito mais lucrativo do que criar boi, e ainda não falamos do potencial da pesca, seja de água doce ou do mar. Para quem tem dúvida, basta lembrar do bacalhau de Portugal, que não o produz e vende com preços exorbitantes.

O setor tem sim, aliás no mundo inteiro, uma estreita relação com políticas governamentais. Mas, será que existe um planejamento do próprio setor, incluindo o governo? Por exemplo, na área de mão de obra para o setor (que aliás não é grande gerador de emprego), o que será feito no futuro? As fazendas precisam de engenheiros, especialistas em dados, analistas e claro todos os outros profissionais. Se depender dos governos, essa mão de não vai existir. E mais, o setor agrícola conversa com outros setores e coordena suas estratégias?

Dependendo só da China, comprando o que quer pelo preço que quer, não vamos muito longe no tempo. É bom lembrar as crises de café na década de 20 no século passado ou as crises de hoje na cafeicultura. Não se iludir com o sucesso de hoje e deixar de construir um futuro mais sólido. Ou como dizem os fazendeiros, não deixar a vaca ir para o brejo.

Stefan Salej