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Monday 7 October 2019

DO COMUNISMO AMIGO OU NÃO

DO COMUNISMO AMIGO OU NÃO 

A majestosa sede do capitalismo brasileiro na Av.Paulista, no centro de São Paulo, estava iluminada nestes dias com a cor vermelha da bandeira da República Popular da China. A RPC festeja 70 anos de ascensão ao poder do Partido Comunista. Os festejos foram majestosos na própria China e em todos os lugares onde a China é considerada um país amigo e parceiro. E não poderia ser diferente no Brasil, porque sem as importações chinesas de nossas matérias primas e commodities e sem investimentos chineses o Brasil estaria ainda pior do que está. E assim, nada de estranhar que os empresários brasileiros, que batem que batem na esquerda brasileira, não vêem nos chineses nada de comunistas, esquerdistas ou seja o que for, mas só grandes parceiros comerciais. E a parceria comercial não tem ideologia. Mais: os países têm interesses e não amizades.

Lidando com a China, onde a FIEMG manteve escritório de representação há 25 anos, nunca se deve esquecer que o país não é só gigante pela sua população, mas pela sua história de 6 mil anos. E nesses milhares de anos experimentou não só o domínio mongol e estabeleceu a rota de seda para comerciar com o ocidente, mas no início do século passado também sofreu a Guerra do Ópio liderada pela Inglaterra, a invasão durante a Segunda Guerra Mundial pelo Japão, a intervenção norte-americana após a Guerra que separou o país da ilha de Taiwan e manteve colônias britânicas como Hong Kong e a portuguesa Macau. Ou seja não foi fácil chegar aos 70 anos.

Historicamente, a China atual também interveio na Guerra das Coréias e na do Vietnã e passou rasante por uma Revolução Cultural e ajustes de grupos de poder de fazer inveja a qualquer um. E não deixou de intervir nos processos de revoluções na África e na América Latina. O dragão chinês mudou muito de aparência quando fizeram a paz com os Estados Unidos, por incrível que pareça com o governo Nixon, e empresas norte-americanas começaram transferir suas bases industriais para a China. Ninguém se incomodava com o comunismo. Aliás, ele até permitia o custo de mão de obra baixo, sem greves (veja a greve de General Motors nos EUA hoje em dia, que custa à empresa 1 bilhão de dólares) e qualidade de produto. A China se tornou filial industrial dos Estados Unidos.

Então, repetir que é a China hoje, visto por todos os lados, é obvio. Aliás, o Brasil contribui para esse desenvolvimento também com tecnologia. A maior usina hidroelétrica no Rio Amarelo, a Usina de Três Gargantas, foi construída pela Mendes Jr. e com equipamentos elétricos brasileiros. E os chineses aprenderam a fazer e nunca mais contrataram uma empresa brasileira.

Essa China de hoje é a base da China de amanhã. Resta saber até que ponto ela será um país amigo, parceiro, ou se vai agir como todos os grandes países agem: dominando os mais fracos.  Provavelmente não vão mais vender ideologia como antigamente, mas não deixará de querer ter predominância nas relações econômicas. E essa força vem da organização politica, do partido único com poderes unificados, inclusive sobre as forças armadas, que se transforma numa forca econômica e tecnológica. O modelo chinês, que de certa maneira repete os modelos históricos do próprio país, é único, e é nele que está a força que produz resultados.

Julgar a China, o seu governo e o seu povo, pelos padrões ocidentais e tentar impor uma democracia representativa à moda ocidental, é subestimar a capacidade de manter um país de mais de um bilhão e meio de habitantes em ordem. E nessa ordem não há qualquer possibilidade, por mais que alguns queiram e ajudem, de que a democracia como nós a entendemos vá prevalecer na China.

E como vamos nos relacionar com esse país no futuro? Aceitamos que comunismo chinês leva a um progresso que parece que a sociedade ocidental está perdendo? Aceitamos que China comunista, não socialista como a  Venezuela, onde os chineses exercem um papel preponderante nas política interna, será  o nosso parceiro comercial, tecnológico, militar (na Argentina eles têm uma base militar de primeira linha), cultural (centros Confuncius educam nossos cidadãos para serem amigos da China)?

Vale a pena refletir mais porque as coisas não são como parecem ser.

Thursday 3 October 2019

ACORDO MERCOSUL UE, NON PAPER

DO ACORDO UE MERCOSUL PARA PARCERIA

NON PAPER


1.Enquanto o Acordo UE-Mercosul é para a UE um acordo amplo de cooperação e parceria, os seus efeitos nos países do Mercosul serão muito maiores porque, através de uma aliança estratégica multilateral, mudam o paradigma de desenvolvimento econômico e consequentemente social.

2. Portanto, as consequências e efeitos na mudança serão diferentes nos dois parceiros.
Muito fortes nos países do Mercosul, notadamente, nesta ordem, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, e quase imperceptíveis nos países da UE, onde tão somente a expansão comercial de várias formas será motriz da relação. Nos países do Mercosul haverá mudança significativa no modelo econômico para implementar o acordo.

3.O Road map no Mercosul, começando pela ratificação nos parlamentos, vai depender do resultados das eleições na Argentina e Uruguai, mas especificamente no Brasil vai depender da situação política, da qual o Acordo passará a fazer parte.

4.O Acordo, do ponto de vista do Brasil, só foi possível porque o próprio Presidente da República liderou o processo e permitiu uma negociação que concluísse o acordo.

Por outro lado, quando o acordo foi concluído, o Presidente da Republica e seu  governo não tiveram os ganhos políticos esperados. Parte porque a comunicação de tão importante ato, como em geral está acontecendo na comunicação do governo, foi falha, mas principalmente porque imediatamente começaram na UE debates sobre se o Brasil vai ou não cumprir o acordo especificamente no que se refere à parte ambiental.

Pesadas críticas, em especial do Presidente Macron, e atitude considerada provocativa do seu Ministro de RE visitando ONGs no Rio de Janeiro, abriram espaço para os EUA, hoje parceiro preferencial para oferecer alternativa, e abriram uma indesejável postergação do acordo Mercosul-UE. E se a isso se acrescentar o desastre ecológico da Amazônia e seu tratamento pelos países membros da UE, notadamente França, conclui-se que temos um cenário bem adverso para a ratificação do acordo, como primeiro passo.

5. O acordo só será ratificado quando o Presidente da República Jair Bolsonaro decidir que deve sê-lo, assim como quando decidiu que deveria ser concluído. Mesmo se os parlamentares colaborarem, é do Executivo o privilégio legal de submetê-lo à apreciação do Congresso. E mais, a ratificação entra na negociação mais ampla entre o Legislativo e o Executivo, incluindo-se na barganha emendas parlamentares que não têm a ver com o assunto em pauta.

Como se trata do mais importante acordo internacional em décadas que o Legislativo terá que examinar, os debates podem transcender o clássico debate sobre um acordo e se transformar num debate mais amplo. Sua eventual aprovação poderá fazer parte do debate político, incluindo nisso já o processo de sucessão deste governo. E claro que vai ter uma influência forte nesse debate o estado social, com ênfase no desemprego, e o econômico, sobre o crescimento do pais.

6.O papel dos atores econômicos, através de suas entidades, pode ser fundamental para a implementação em vários níveis do acordo.


6.1. como durante a negociação do acordo, também agora não há consenso entre as entidades empresariais sobre as suas vantagens para seus associados. A resistência, em especial do setor automotivo e industrial alemão no país, espalhou-se pelos demais setores e pode vir à tona novamente. O fato é que se demorar a primeira fase, ratificação, você prolonga o processo de entrada em vigor do acordo e atrasa as mudanças que serão necessárias para a sua implementação;

6.2.as organizações oficiais, como Federações e Confederações, que dependem do governo, vão seguir a orientação do governo, suas prioridades  e suas politicas. Aparentemente vão apoiar o acordo, mas não vão lutar nem para a sua aprovação no Congresso e nem na sua implementação, se não receberem a orientação clara, não do Governo em seus vários aspectos, mas do próprio Presidente da República, com quem dialogam, e seguem sua orientação política. 

6.3.O setor agrícola, que independentemente do acordo tem na UE um grande mercado, pode ser o equilíbrio entre várias forças, e acelerar, inclusive por ter uma bancada forte e significativa no Congresso, a aprovação e influenciar o PR.

6.4. Área de serviços é dispersa no seu poder politico mas muito forte na área financeira, seguros, saúde, educação, serviços advocatícios, transporte e logística, telecomunicações, mas menos em serviços de engenharia.

6.5.Na parte que se refere à indústria, onde as transformações  serão mais radicais, existem estudos que apontam que, com a implementação do acordo, haverá queda de até 20 % no PIB industrial. Haverá que tomar medidas que levem à mudança do paradigma básico do acordo:

o acordo deve levar a um novo patamar de competitividade da indústria brasileira e não à sua destruição.

Para isso serão necessários recursos. Do lado da UE, para financiar as empresas com investimentos no Brasil, e do lado brasileiro, as empresas brasileiras. Nada disso está sendo cogitado neste momento nem de um e nem de outro lado.



7. Concluindo, a implementação do Acordo não pode chegar a ser um tema negativo, mas os vários atores incluídos tem que afirmar, em especial do lado empresarial brasileiro, que o Acordo só pode ser implementado, nem postergado e nem esquecido.
Não há no momento nenhum outro acordo que Brasil possa fazer que, com todos os riscos, mude tanto o paradigma de competitividade do país e crie uma aliança estratégica tão importante como este Acordo.

A influência de acordos ou negociações com outros parceiros, em especial Estados Unidos e em seguida Reino Unido, não pode anular os benefícios do acordo com a UE.

Para isso um complexo road map politico e econômico deve ser feito no qual as Eurocamaras no Brasil, e suas correspondentes entidades na UE, terão papel fundamental. Neste capítulo, a voz, hoje fraca, das empresas europeias no Brasil, deve ser ouvida  pela sociedade brasileira. Aliás, além de considerações fragmentadas, não existe um paper confiável da influência dos capitais europeus no desenvolvimento brasileiro.

Papel fundamental terão também instituições como a GV em promover debates e estudos que confirmem o rumo certo e os benefícios do Acordo para a sociedade brasileira.

Last but not least, se do lado europeu continuarem as declarações na linha pós-acordo, ou seja que não se acredita que Brasil cumprirá o acordo, não se pode esperar que do lado brasileiro haja um esforço para continuar no acordo. A UE também tem que decidir no seu conjunto se quer ou não o acordo, porque as condições de como será o acordo já foram acordadas. E o uso do acordo para reforçar não a sua implementação e beneficiar a todos os stakeholders, mas para incrementar o espaço eleitoral interno, pode custar a anulação do acordo.


Stefan Bogdan BARENBOIM ŠALEJ
30.8.2019.


Copyright Stefan Bogdan Barenboim Salej 2019.

O presente estudo se destina somente aos destinatários e só pode ser divulgado com expressa autorização do autor.

As opiniões expressas são pessoais e não expressam opinião de nenhuma entidade ou governo.

Thursday 1 August 2019

DA GUERRA COMERCIAL E BRASIL

Estamos no meio de uma guerra comercial que se espalha pelo mundo e chegou nestes dias com toda a artilharia disparando seus tiros para Brasil. E um dos foguetes disparados atingiu as asas do acordo entre o MERCOSUL e a União Europeia, tão celebrado ainda na semana passada. Aliás, a pergunta é se o tiro foi fatal e o acordo morreu ou só atingiu o voo inicial do avião chamado acordo.

O fato é que os europeus, que neste momento enfrentam um calor infernal nas suas praias e na política, com o novo Primeiro Ministro britânico, a saída da Ângela Merkel do governo da Alemanha, a mudança da equipe da União Europeia e do Banco Central, não têm muito tato ao tratar com latino-americanos em geral e em especial com o Brasil. A insistência em que o acordo, ora em exame jurídico e ainda não assinado pelos presidentes dos países e pela Comissão da UE, só será validado se o Brasil cumprir o acordo climático de Paris, deu brecha para o Brasil procurar, sob pressão, outras alternativas. Chegou-se a um acordo possível, que está longe longe de ser excelente. O Brasil cedeu muito para fazer o acordo. E aí, chamar fora do acordo o Brasil para cumprir o que está cumprindo, ou mais do que o acordado, foi esticar a corda de forma inaceitável.

O episódio com Chanceler da França, não recebido pelo Presidente Bolsonaro que foi cortar ostensivamente cabelo e dizer que não tinha agenda, foi sinal claro, mas não lido pelos europeus, de que o Brasil não vai se deixar amedrontar com ameaças francesas sobre a Amazônia e o meio ambiente. À medida que a pressão europeia foi crescendo, especialmente a da Alemanha, com seu Partido Verde, que hoje tem muita força no Parlamento Europeu, também a resposta brasileira foi crescendo de tom. A ação agressiva europeia provocou a reação agressiva brasileira.

Mas aí os europeus avaliaram muito mal as opções que o Brasil tem. Na mesma semana da visita do Chanceler francês, veio ao Brasil o Secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross. E os americanos que veem no acordo entre o MERCOSUL e a UE uma real ameaça aos seus negócios na região, aproveitaram a janela de oportunidade para oferecer uma real possibilidade de fazer acordo entre o MERCOSUL e os Estados Unidos. Foram perfeitos: aceitaram Eduardo Bolsonaro como Embaixador nos EUA, cumpriram a promessa de abrir as portas da OTAN para o Brasil, disseram que o acordo com a UE prejudica o acordo com os Estados Unidos e mais algumas coisas que não sabemos. Trump precisa de um acordo comercial novo e bom antes das eleições e Bolsonaro, que não aguenta ataques dos europeus, amigo do Trump e de sua política, deu essa chance. O acordo com os Estados Unidos, nosso maior concorrente no agronegócio, será menos estressante na área de meio ambiente e agrícola do que o acordo com os europeus. E certamente não vai ter oposição da Argentina, onde, se Macri não for eleito, o acordo com os europeus também dificilmente passará a ser aceito pelo novo governo. E se for reeleito, os EUA têm força para impor a sua vontade a uma Argentinas enfraquecida.

O acordo com a UE entra no banho-maria, o governo brasileiro não tem nenhuma pressa de ratificar, e o acordo com os EUA entra em fast track, linha rápida, para ser negociado. Se os europeus baixarem as exigências e entenderem que governo Bolsonaro é o que é, ainda pode haver acordo. Senão, haverá acordo só com os EUA, talvez com o Japão, Coréia do Sul, Canadá e CEFTA. O que, diga se de passagem, já é bastante para Brasil.

Jogou se o jogo dos profissionais.

Stefan Salej
Vice-Presidente do Conselho do Comercio Exterior da FIESP
Coordenador adjunto do GACINT - Grupo de acompanhamento de conjuntura internacional da USP

 

Sunday 21 July 2019

DO ACORDO MEIO CHEIO, MEIO VAZIO

DO ACORDO MEIO CHEIO, MEIO VAZIO

Está difícil de distinguir, nas recentes discussões sobre o papel do Brasil no mundo, o joio do trigo. A centralização do debate na nomeação do novo embaixador do país nos Estados Unidos nos afasta de dois importantes atos da política externa brasileira, construídos ao longo de décadas, mas concluídos agora, que são a nossa adesão à OCDE, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, e o acordo entre o MERCOSUL e a União Europeia. Os dois feitos terão um papel estruturante na economia e na sociedade brasileiras nas próximas décadas, que está sendo totalmente desprezado e subestimado pela sociedade econômica brasileira, e aí incluído a sociedade civil e política.

A adesão à OCDE vai requerer alguns ajustes fundamentais tanto do estado brasileiro como das empresas, independentemente de que já estamos cumprindo mais de 75 % de todos os requisitos que harmonizam as ações e politicas públicas dos 45 estados membros da organização. Mas, o perigo mora nos detalhes do restante. Não só teremos que adaptar normas e legislação, em especial na área de empresas estatais, combate à corrupção, transparência de contas públicas, entre outros, mas também o governo terá que adaptar suas políticas, por exemplo na área social, de educação, a serem monitoradas e analisadas constantemente por um organismo internacional. E não me consta que no debate sobre esses estudos e análises poderemos, como é a  tradição brasileira, contestar envoltos na bandeira nacional, dizendo que os gringos querem prejudicar o Brasil. O jogo vai exigir um comportamento analítico e de adoção de políticas públicas bem diferente do que se jogava até então.

No caso de Acordo com a União Europeia, a situação é diferente. Primeiro o acordo é fundamental para os europeus. A Europa vive do comércio internacional mais do que qualquer bloco ou país do mundo. Hoje não tem mais as colônias (com exceção dos territórios holandeses, franceses e britânicos na América Latina) onde desovava sua produção e das quais recebia matérias primas a preços aviltados. Os chineses estão pressionando a entrada na Europa com sua Rota da Seda, conquistaram a África, avançaram tecnologicamente e fizeram  alianças na Ásia que diminuem o poder dos europeus.

A UE não consegue fechar um acordo com os Estados Unidos nem acordos com países como o Japão, Vietnã e Canadá, que não são comparáveis com as vantagens  que oferece o acordo com o MERCOSUL. Este acordo apresenta um mercado de 68 bilhões de euros por ano para 60 mil empresas europeias. As exportações para o MERCOSUL geram 855 mil empregos diretos  na Europa  e mais 436 mil empregos no Brasil. As empresas europeias deixarão de pagar anualmente 4.5 bilhões de euros em taxas e tarifas, aumentando seus lucros conforme reza o acordo.

Mas, o outro lado é que conta: as empresas do MERCOSUL terão portas abertas nos mercados europeus, nos quais não se sabe se está incluída A Grã Bretanha. E ai vem a questão básica: quanto somos competitivos e em que produtos para vender mais aos europeus. Enquanto eles, que têm investidos no Brasil mais de 300 bilhões de dólares, estão se preparando para invadir o mercado brasileiro, o que está sendo feito do nosso lado, ninguém sabe.

Para sermos competitivos e aproveitarmos bem o acordo teremos que mudar o nosso modelo, cuja bandeira é o Custo Brasil, para o de um Brasil competitivo. E este retrofit da nossa economia vai exigir em primeiro lugar um projeto e recursos. E neste momento nem o setor privado tem um road map para um melhor aproveitamento do acordo  e nem o governo tem um projeto, a não ser passos políticos, para a mudança que nos espera .Os europeus estão trabalhando a mil por hora para levar vantagem e nós ainda estamos comemorando a primeira fase da conclusão do acordo.

Sunday 9 June 2019

DA INDÚSTRIA COM E SEM FUTURO

Nesta semana as associações da indústria no Brasil comemoram o seu dia. As comemorações devem incluir um minuto de silêncio pelas 300 vitimas do estouro da barragem de Brumadinho, ou melhor, o Córrego do Feijão. E com esse minuto deve vir a reflexão sobre que indústria ainda temos e queremos como sociedade e qual será a cara da indústria nos próximos 20 anos. Provavelmente os discursos não vão abordar esses temas, mas os desafios, aos tin-tins da champanhe e do whisky, cachaça não entra, de como manter o sistema empresarial com financiamento obrigatório, e em especial, os das reformas da previdência, da desburocratização e da reforma nunca chegada, a tributária.

A indústria, mesmo atingindo hoje magros 11 % versus mais de 30 % do PIB há 25 anos, não vai fechar. Os modelos econômicos mudam com o avanço da história e nada é igual ao dia anterior. Os movimentos tecnológicos são mais profundos neste início de século, os paradigmas mudaram, e com eles mudam as matrizes econômicas. A indústria de ontem não é  mesma de hoje e nem será a de amanhã. Porque também o consumidor não é o mesmo, então o mercado também muda e a indústria tem que mudar para se adaptar ao mercado.

No Brasil, especificamente, além de todos os desafios que a indústria enfrenta nos outros lugares, estamos no momento em fase de incertezas que seguram os investimentos e levam as empresas a procurarem não  expansão, mas, essencialmente, sobrevivência. É um momento bem nocivo e difícil, mas por outro lado um dia tem que passar.

E talvez aqui podemos também olhar o copo meio cheio ou meio vazio. Sem dúvida, o momento de incerteza e crise pode levar os ousados para um novo patamar. Uma dessas ousadias é a expansão para o exterior. Há inúmeros exemplos, bem descritos pela Fundação Dom Cabral, de sucesso. Outra vertente é procurar mercados novos no imenso mercado chamado Brasil. E também surgem oportunidades de fusões mesmo entre as empresas de pequeno porte. Aliás, no Brasil faltam empresas medias que no mundo inteiro são sustentáculo de desenvolvimento e de geração de empregos.

Na área de mudanças tecnológicas, a indústria 4.0 não requer que o Senai instale um laboratório, mas que a sociedades toda mude para um patamar tecnológico diferente. Nesse capítulo as mudanças na área de infra-estrutura, leia-se energia, e de telecomunicações, são cruciais. E sem dúvida a grande mudança deve ser na área de educação, seja ela tecnológica ou não.

Quantas de nossas indústrias estão hoje prontas para esses desafios, entre os quais, como no caso do acidente de  Córrego de Feijão, se inclui a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável. A falta desses dois mata e destrói a sociedade e a própria indústria. E não é substituída por nenhum indicador financeiro ou tecnológico.

A indústria, hoje mais e mais integrada com serviços e outras atividades clássicas, como o agronegócio e o  comércio,  tem um espaço para sair da sobrevivência para o crescimento, especialmente se houver um ambiente  político que facilite ou pelos menos não atrapalhe a transformação industrial e seu desenvolvimento.

Para os desafios também há respostas, como as  start ups, um alto grau de empreendedorismo existente no país e um mercado cheio de oportunidades.

DA LAGOSTA IMORAL

De 210 milhões de brasileiros, quantos já comeram a lagosta e beberam vinho francês? Provavelmente 99,99 % nunca comeram lagosta e nem beberam vinho francês. A lagosta, crustáceo, pescado nas costas do Nordeste, já provocou nos idos de 70 a Guerra da Lagosta com a França e provocou o então Presidente francês, General Charles de Gaulle, que disse que o Brasil não é um país sério. A lagosta voltou nestes dias ao cardápio político quando os ilustres Ministros do Supremo Tribunal Federal encomendaram lagostas e finos vinhos franceses para as refeições destinadas a ilustres visitantes estrangeiros. Tudo dentro da ordem e da lei. Eles têm esse direito, de escolher o que querem, desejam, e daí transformar isso em necessidades. Em seguida o órgão fiscalizador da ordem jurídica executiva nacional, a Advocacia Geral da União, disse que está tudo perfeito e legal. E que sim, precisam desse tipo de comida,  nunca presente na mesa de 99.99 % dos brasileiros, para receber com dignidade as autoridades estrangeiras que visitam a mais alta corte de justiça do país.

Para começar, quem recebe os visitantes estrangeiros em nome do país, no primeiro lugar, é o nosso Ministério das Relações Exteriores, conhecido como Itamaraty, que nunca serviu nem vinhos franceses e nem lagosta. Serve sim com dignidade comida típica brasileira e vinhos brasileiros.

Segundo, nenhum visitante estrangeiro sério se impressiona, quando em visita, se é servido de comida e bebida de padrão acima do normal para o país. Ao contrário, vai perceber que somos um país do Couraçado Potemkin ou Theresien Stadt, os dois representantes da ilusão e mascaramento da realidade de dois regimes odiáveis, o soviético e o nazista. Vendemos uma imagem que nada tem que ver com a realidade do país. E é com a realidade do país em todas as suas variáveis que o visitante estrangeiro tem que lidar. Vendendo a ele a imagem de país onde se come lagosta e se bebe vinho francês às custas do erário público, você pode fazer isso se quiser com dinheiro próprio, como Presidente de banco que ganha 44 milhões por ano, você o chamou de idiota. Um idiota que você tentou enganar, escondendo os 30 milhões de desempregados, uma desordem jurídica fenomenal, uma população carcerária em condições sub-humanas, uma criminalidade das mais altas do mundo e, na continuidade, membros do judiciário que ganham, como foi noticiado nesta semana, dentro da lei, 700 salários mínimos num mês.

E mais: você não foi capaz de lhe mostrar uma realidade do país que sim pode ser uma grande potência, socialmente mais justo e igual, se esses atos e outros, baseados numa moralidade do sistema legal, não nos levarem para o buraco, mas para um desenvolvimento para todos. O fato é que nossos legisladores criaram condições de desequilíbrio moral e ético, transformado em comportamento jurídico de lagosta e vinho francês, e agora, pendurados nas poucas leis que ainda mantém alguma decência no país, não têm, junto com alguns  membros do executivo, a coragem, a  visão e o patriotismo para consertar isso. 

Antigamente diziam que tudo acaba em pizza, mas agora nem isso. Atualmente está acabando em lagosta com vinho francês. E já que estamos na área  da pesca, devemos lembrar que peixe fede pela cabeça. E os que encomendam lagosta com dinheiro público são a cabeça do peixe. Ou doutos sábios que querem repetir a Catarina, tzarina russa, dizendo que se o povo reclama e  está com fome,  que coma caviar. Ou no nosso caso, democraticamente, que todos comam lagosta com dinheiro público. Mas, ainda não podemos esquecer: se eles lá em cima podem, todos abaixo deles também podem. E aí, não há país e nem povo que aguentem.

DO POSSÍVEL E IMPOSSÍVEL ACORDO COM UNIĀO EUROPEIA

DO POSSÍVEL E  IMPOSSÍVEL ACORDO COM UNIĀO EUROPEIA

Anúncios iguais a esses que rodam os jornais nestes dias, dizendo que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia será concluído nas próximas semanas ou meses, vimos nos últimos 25 anos de negociação tantos que já perdemos o seu número. Hoje em dia se alguém, seja quem for, tentar adivinhar quando fecha esse acordo, recomenda-se-lhe que compre um  bilhete de loteria onde tem mais chances de acertar do que quanto ao fechamento do acordo.

Se não fechou nestes 25 anos é porque há muitas razões de parte a parte para não concluírem o acordo. E o mundo mudou muito nesse período, inclusive os países que compõem os dois blocos econômicos em questão. 

A União Europeia passou de 15 para 28 países, a Grã-Bretanha estaria saindo do bloco (outra incerteza), consolidou sua moeda, o Euro e consolidou-se como uma economia forte, com divergências politicas oriundas da história do próprio continente. E avançou na área de tecnologia, assim  como se tornou o mais importante investidor estrangeiro nos países do MERCOSUL.

O MERCOSUL teve seus avanços sim. Os quatro países que o compõem mantiveram seus sistemas democráticos funcionando e suas economias, tirando a Argentina, a exceção que confirma a regra, relativamente estáveis do ponto de vista financeiro. Mas, como bloco econômico, não se integraram mais e nem dentro do espirito de fundação. Efetivamente, as expectativas e esperanças de formação de um bloco econômico e quiçá político foram infinitamente inferiores às esperanças e até resultados dos primeiros anos.

O acordo entre os dois blocos tem todo sentido e seria uma mudança fundamental no desenvolvimento das economias dos países do MERCOSUL. Agora, não pode ser um acordo onde, como tudo indica, haverá um crescimento razoável de exportações europeias e um avanço muito pequeno de nossas exportações para a UE. Nenhum estudo recente aponta com clareza os números, inclusive na criação de empregos, nos países de MERCOSUL. Enquanto nós crescemos em competitividade do agronegócio, mas de forma alguma em produtos oriundos do agro mais sofisticados, como vinhos, embutidos, lácteos etc., a Europa cresceu em tecnologia, produtos industriais com alta tecnologia, serviços e produtos alimentares. Então as trocas serão, simplificando, de uma boiada por um quilo do presunto de Parma.

As negociações empacaram nas tarifas, algo atrasado na realidade do comércio internacional do futuro, nas trocas comerciais de baixa tecnologia e nos problemas regionais europeus que geram políticas de protecionismo de fazer inveja ao Trump. Não há visão de um projeto comum de desenvolvimento entre as duas regiões que poderia beneficiar as populações, com aumento de renda e emprego. E a Europa, sublime e gananciosa, se comporta como se nós não tivéssemos alternativas.

Quando começaram as negociações, a nossa parceria com China era nula. Hoje é o nosso parceiro principal, inclusive em capitais e tecnologias. Se fecharmos acordos com a Coréia do Sul, Japão, Canadá, Suíça, e com países do Pacífico, estaremos bem encaminhados para o nosso futuro, com uma relação até mais equilibrada do que com a UE.

E tem mais, fechar acordo é difícil, implementar ainda mais. E alguém está tendo plano de implementação? Até para aprovar os acordos já feitos, o Brasil leva anos na burocracia do executivo e do Congresso. Nesse meio tempo, arrumar a casa e fortalecer o próprio MERCOSUL seria muito útil para fechar um acordo, com seja quem for, e mais eficaz.