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Tuesday, 22 October 2019

 DA ÚLTIMA DANÇA DA DEMOCRACIA LATINO-AMERICANA

Um continente que até recentemente exibia uma tranquilidade democrática exemplar se tornou para alguns, da noite para o dia, um continente de intranquilidade e perturbação da ordem pública e um desastre anunciado do ponto de visa econômico. 

A violência das ruas que eclodiu no Chile, mas antes disso ainda no Equador, passou pelo Peru com a reviravolta dos parlamentares,  sem falar na América Central, Guatemala, Honduras, a soltura do narcotraficante no México para evitar mortes de civis pelos bandidos, e sem esquecer da Venezuela, uma situação nunca resolvida, não deixa de passar pela fraude eleitoral que se vislumbra na Bolívia e uma expectativa de resultados da eleição na Argentina que prometem dividir ainda mais o país, que já esta sob jugo do temível FMI.

No Brasil, este gigante adormecido, as perturbações ainda estão mais escondidas. Nas brigas de políticos pelo fundo partidário que substituiu a corrupção clássica por um sistema mais sofisticado que cria barões partidários com dinheiro público. O sistema judicial que, com seu individualismo e autoproteção, se torna mais do que um poder judiciário, para ser um poder que interpreta no seu mais alto nível a justiça como exercício do poder  político. E um governo que ainda não conseguiu no seu conjunto  entender que uma reforma da previdência, necessária e bem-vinda, não será suficiente para resolver  o problema  de crescimento do país, e pior: do seu equilíbrio social.

Esses acontecimentos violentos no continente  têm um efeito dominó. Eles se parecem com um tsunami político, vêm de repente, nenhum serviço meteorológico explica, arrasam o que tem na frente, deixam, mortos, feridos, destruição  física, mas no caso de fenômeno meteorológico, o tempo se acalma. No tsunami político a destruição é a mesma, mas a calmaria, não. Nem jatos d’água, nem balas de borracha, nem cassetete, nem exércitos e nem policias conseguem acalmar. E veja o que está acontecendo na França, Hong Kong, Líbano. De repente parece que as pessoas descobriram que foram enganadas, que os políticos os enganam, que o status quo não os satisfaz mais. 

E os políticos da direita acham problemas com os da esquerda, os da esquerda, com os da direita. Foi interessante observar o que disse Presidente  chileno estupefato com os acontecimentos, declarando na TV que existem inimigos que querem destruir o  país.

O fato é que o exercício democrático foi violentado pelos políticos e seus aliados e as revoltas acontecem por questões pequenas mas que acendem o paiol de palha. É como se as pessoas quisessem dizer basta. Basta de aumento de preço de energia, de gasolina, de chuchu, de transporte. Não é basta a isso, é mais: basta de sermos enganados em nome da democracia e as migalhas que ela nos dá. Que o povo aguenta tudo, é mero engano, e nem a democracia que distorcemos aguenta tudo. E muito menos com a comunicação digital de hoje em dia, que foge ao controle dos governos e dá uma voz nova ao cidadão.

No caso brasileiro, a memória é curta e poucos se lembram das revoltas que tivemos há alguns anos com a desculpa do aumento de passagens de ônibus. A ilusão de que somos uma sociedade pacífica que aguenta tudo e que tudo se resolve no triângulo das Bermudas (Congresso, Governo, Judiciário) brasiliense, pode custar muito caro a esta nação que precisa de estabilidade para se desenvolver.

O estado democrático de ontem hoje não serve mais para os cidadãos. Qual será  o novo modelo que vai atender melhor um cidadão mais educado e consciente, e quanto tempo vai levar para isso e através de quais processos, ainda não sabemos. Teremos que esperar, porque no passado foram as guerras que provocavam as rupturas e mudanças. Agora, estamos em mutação democrática. E, sem ilusões, também ela é violenta.

Monday, 7 October 2019

DO COMUNISMO AMIGO OU NÃO

DO COMUNISMO AMIGO OU NÃO 

A majestosa sede do capitalismo brasileiro na Av.Paulista, no centro de São Paulo, estava iluminada nestes dias com a cor vermelha da bandeira da República Popular da China. A RPC festeja 70 anos de ascensão ao poder do Partido Comunista. Os festejos foram majestosos na própria China e em todos os lugares onde a China é considerada um país amigo e parceiro. E não poderia ser diferente no Brasil, porque sem as importações chinesas de nossas matérias primas e commodities e sem investimentos chineses o Brasil estaria ainda pior do que está. E assim, nada de estranhar que os empresários brasileiros, que batem que batem na esquerda brasileira, não vêem nos chineses nada de comunistas, esquerdistas ou seja o que for, mas só grandes parceiros comerciais. E a parceria comercial não tem ideologia. Mais: os países têm interesses e não amizades.

Lidando com a China, onde a FIEMG manteve escritório de representação há 25 anos, nunca se deve esquecer que o país não é só gigante pela sua população, mas pela sua história de 6 mil anos. E nesses milhares de anos experimentou não só o domínio mongol e estabeleceu a rota de seda para comerciar com o ocidente, mas no início do século passado também sofreu a Guerra do Ópio liderada pela Inglaterra, a invasão durante a Segunda Guerra Mundial pelo Japão, a intervenção norte-americana após a Guerra que separou o país da ilha de Taiwan e manteve colônias britânicas como Hong Kong e a portuguesa Macau. Ou seja não foi fácil chegar aos 70 anos.

Historicamente, a China atual também interveio na Guerra das Coréias e na do Vietnã e passou rasante por uma Revolução Cultural e ajustes de grupos de poder de fazer inveja a qualquer um. E não deixou de intervir nos processos de revoluções na África e na América Latina. O dragão chinês mudou muito de aparência quando fizeram a paz com os Estados Unidos, por incrível que pareça com o governo Nixon, e empresas norte-americanas começaram transferir suas bases industriais para a China. Ninguém se incomodava com o comunismo. Aliás, ele até permitia o custo de mão de obra baixo, sem greves (veja a greve de General Motors nos EUA hoje em dia, que custa à empresa 1 bilhão de dólares) e qualidade de produto. A China se tornou filial industrial dos Estados Unidos.

Então, repetir que é a China hoje, visto por todos os lados, é obvio. Aliás, o Brasil contribui para esse desenvolvimento também com tecnologia. A maior usina hidroelétrica no Rio Amarelo, a Usina de Três Gargantas, foi construída pela Mendes Jr. e com equipamentos elétricos brasileiros. E os chineses aprenderam a fazer e nunca mais contrataram uma empresa brasileira.

Essa China de hoje é a base da China de amanhã. Resta saber até que ponto ela será um país amigo, parceiro, ou se vai agir como todos os grandes países agem: dominando os mais fracos.  Provavelmente não vão mais vender ideologia como antigamente, mas não deixará de querer ter predominância nas relações econômicas. E essa força vem da organização politica, do partido único com poderes unificados, inclusive sobre as forças armadas, que se transforma numa forca econômica e tecnológica. O modelo chinês, que de certa maneira repete os modelos históricos do próprio país, é único, e é nele que está a força que produz resultados.

Julgar a China, o seu governo e o seu povo, pelos padrões ocidentais e tentar impor uma democracia representativa à moda ocidental, é subestimar a capacidade de manter um país de mais de um bilhão e meio de habitantes em ordem. E nessa ordem não há qualquer possibilidade, por mais que alguns queiram e ajudem, de que a democracia como nós a entendemos vá prevalecer na China.

E como vamos nos relacionar com esse país no futuro? Aceitamos que comunismo chinês leva a um progresso que parece que a sociedade ocidental está perdendo? Aceitamos que China comunista, não socialista como a  Venezuela, onde os chineses exercem um papel preponderante nas política interna, será  o nosso parceiro comercial, tecnológico, militar (na Argentina eles têm uma base militar de primeira linha), cultural (centros Confuncius educam nossos cidadãos para serem amigos da China)?

Vale a pena refletir mais porque as coisas não são como parecem ser.

Thursday, 3 October 2019

ACORDO MERCOSUL UE, NON PAPER

DO ACORDO UE MERCOSUL PARA PARCERIA

NON PAPER


1.Enquanto o Acordo UE-Mercosul é para a UE um acordo amplo de cooperação e parceria, os seus efeitos nos países do Mercosul serão muito maiores porque, através de uma aliança estratégica multilateral, mudam o paradigma de desenvolvimento econômico e consequentemente social.

2. Portanto, as consequências e efeitos na mudança serão diferentes nos dois parceiros.
Muito fortes nos países do Mercosul, notadamente, nesta ordem, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, e quase imperceptíveis nos países da UE, onde tão somente a expansão comercial de várias formas será motriz da relação. Nos países do Mercosul haverá mudança significativa no modelo econômico para implementar o acordo.

3.O Road map no Mercosul, começando pela ratificação nos parlamentos, vai depender do resultados das eleições na Argentina e Uruguai, mas especificamente no Brasil vai depender da situação política, da qual o Acordo passará a fazer parte.

4.O Acordo, do ponto de vista do Brasil, só foi possível porque o próprio Presidente da República liderou o processo e permitiu uma negociação que concluísse o acordo.

Por outro lado, quando o acordo foi concluído, o Presidente da Republica e seu  governo não tiveram os ganhos políticos esperados. Parte porque a comunicação de tão importante ato, como em geral está acontecendo na comunicação do governo, foi falha, mas principalmente porque imediatamente começaram na UE debates sobre se o Brasil vai ou não cumprir o acordo especificamente no que se refere à parte ambiental.

Pesadas críticas, em especial do Presidente Macron, e atitude considerada provocativa do seu Ministro de RE visitando ONGs no Rio de Janeiro, abriram espaço para os EUA, hoje parceiro preferencial para oferecer alternativa, e abriram uma indesejável postergação do acordo Mercosul-UE. E se a isso se acrescentar o desastre ecológico da Amazônia e seu tratamento pelos países membros da UE, notadamente França, conclui-se que temos um cenário bem adverso para a ratificação do acordo, como primeiro passo.

5. O acordo só será ratificado quando o Presidente da República Jair Bolsonaro decidir que deve sê-lo, assim como quando decidiu que deveria ser concluído. Mesmo se os parlamentares colaborarem, é do Executivo o privilégio legal de submetê-lo à apreciação do Congresso. E mais, a ratificação entra na negociação mais ampla entre o Legislativo e o Executivo, incluindo-se na barganha emendas parlamentares que não têm a ver com o assunto em pauta.

Como se trata do mais importante acordo internacional em décadas que o Legislativo terá que examinar, os debates podem transcender o clássico debate sobre um acordo e se transformar num debate mais amplo. Sua eventual aprovação poderá fazer parte do debate político, incluindo nisso já o processo de sucessão deste governo. E claro que vai ter uma influência forte nesse debate o estado social, com ênfase no desemprego, e o econômico, sobre o crescimento do pais.

6.O papel dos atores econômicos, através de suas entidades, pode ser fundamental para a implementação em vários níveis do acordo.


6.1. como durante a negociação do acordo, também agora não há consenso entre as entidades empresariais sobre as suas vantagens para seus associados. A resistência, em especial do setor automotivo e industrial alemão no país, espalhou-se pelos demais setores e pode vir à tona novamente. O fato é que se demorar a primeira fase, ratificação, você prolonga o processo de entrada em vigor do acordo e atrasa as mudanças que serão necessárias para a sua implementação;

6.2.as organizações oficiais, como Federações e Confederações, que dependem do governo, vão seguir a orientação do governo, suas prioridades  e suas politicas. Aparentemente vão apoiar o acordo, mas não vão lutar nem para a sua aprovação no Congresso e nem na sua implementação, se não receberem a orientação clara, não do Governo em seus vários aspectos, mas do próprio Presidente da República, com quem dialogam, e seguem sua orientação política. 

6.3.O setor agrícola, que independentemente do acordo tem na UE um grande mercado, pode ser o equilíbrio entre várias forças, e acelerar, inclusive por ter uma bancada forte e significativa no Congresso, a aprovação e influenciar o PR.

6.4. Área de serviços é dispersa no seu poder politico mas muito forte na área financeira, seguros, saúde, educação, serviços advocatícios, transporte e logística, telecomunicações, mas menos em serviços de engenharia.

6.5.Na parte que se refere à indústria, onde as transformações  serão mais radicais, existem estudos que apontam que, com a implementação do acordo, haverá queda de até 20 % no PIB industrial. Haverá que tomar medidas que levem à mudança do paradigma básico do acordo:

o acordo deve levar a um novo patamar de competitividade da indústria brasileira e não à sua destruição.

Para isso serão necessários recursos. Do lado da UE, para financiar as empresas com investimentos no Brasil, e do lado brasileiro, as empresas brasileiras. Nada disso está sendo cogitado neste momento nem de um e nem de outro lado.



7. Concluindo, a implementação do Acordo não pode chegar a ser um tema negativo, mas os vários atores incluídos tem que afirmar, em especial do lado empresarial brasileiro, que o Acordo só pode ser implementado, nem postergado e nem esquecido.
Não há no momento nenhum outro acordo que Brasil possa fazer que, com todos os riscos, mude tanto o paradigma de competitividade do país e crie uma aliança estratégica tão importante como este Acordo.

A influência de acordos ou negociações com outros parceiros, em especial Estados Unidos e em seguida Reino Unido, não pode anular os benefícios do acordo com a UE.

Para isso um complexo road map politico e econômico deve ser feito no qual as Eurocamaras no Brasil, e suas correspondentes entidades na UE, terão papel fundamental. Neste capítulo, a voz, hoje fraca, das empresas europeias no Brasil, deve ser ouvida  pela sociedade brasileira. Aliás, além de considerações fragmentadas, não existe um paper confiável da influência dos capitais europeus no desenvolvimento brasileiro.

Papel fundamental terão também instituições como a GV em promover debates e estudos que confirmem o rumo certo e os benefícios do Acordo para a sociedade brasileira.

Last but not least, se do lado europeu continuarem as declarações na linha pós-acordo, ou seja que não se acredita que Brasil cumprirá o acordo, não se pode esperar que do lado brasileiro haja um esforço para continuar no acordo. A UE também tem que decidir no seu conjunto se quer ou não o acordo, porque as condições de como será o acordo já foram acordadas. E o uso do acordo para reforçar não a sua implementação e beneficiar a todos os stakeholders, mas para incrementar o espaço eleitoral interno, pode custar a anulação do acordo.


Stefan Bogdan BARENBOIM ŠALEJ
30.8.2019.


Copyright Stefan Bogdan Barenboim Salej 2019.

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