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Sunday, 31 March 2019

DA DÚVIDA QUE MATA

DA DÚVIDA QUE MATA

O empresário enfrenta como líder do seu negócio dúvidas e mais dúvidas no seu processo de decisão. Na prática, as principais dúvidas são eliminadas na medida que os acionistas colocam com relativa clareza suas crenças e valores, seus objetivos, seus planos de ação, ou seja, seu modelo de negócio e de gestão. Interessante é que na formulação de crenças e valores, orgulhosamente expostos na entrada das empresas e em toda a publicidade, participam em geral os acionistas e seus prepostos, mas são poucos os casos em que os funcionários que devem aplicar essas crenças e valores participam da discussão.

 A questão não é fazer um credo de valores, mas aplicá-los na vida diária da empresa e também ter a humildade de ver e rever o que esta acontecendo com a aplicação dessas crenças.

Vejam o caso da Vale em Mariana e Brumadinho. O que a empresa diz nas suas crenças e valores face ao que está sendo aplicado na prática nas suas operações e no caso do gerenciamento de uma crise que provocou em conjunto mais de 300 mortes. Aliás, seria interessante ver quais eram os valores da época da CVRD, estatal, versus os da Vale privatizada. E também dos seus acionistas, fundos de pensão oriundos das estatais brasileiras.
Como, neste momento de crise da empresa, aliás ampliada pelo ciclone em Moçambique, onde a Vale tem operações importantes, devem agir seus dirigentes e  seus funcionários.

 No nível mundial há dois exemplos de disparidade entre a imagem da empresa e as sus ações: o da Volkswagen, com a falsificação de dados referentes ao uso de diesel nos seus carros,  e o da Boeing no recente caso dos aviões série Max, com a discussão sobre o software teria ou não provocado os acidentes.

É fácil escrever o que você quer acreditar. E difícil aplicar. Em especial no Brasil, onde o jogo do interesses se sobrepõe a qualquer  insistência em ser ético. Por exemplo, como o empresário reage quando coagido  pelos fiscais. Ou você paga a propina, ou paga a multa ou enfrenta um processo milionário nos tribunais. Você está entre a cruz e a caldeirinha.

Todos temos que tomar uma decisão ética  todo santo dia. A liberdade de escrever tem limites de pressão de anunciantes ou patrocinadores que  determinam dentro de seus interesses a fronteira da liberdade. Veja o caso recente da EMBRATUR e o cantor Alceu Valença. 

O debate político empresarial também tem seus limites no horizonte dos interesses. De certa maneira não se espera, vamos dizer, uma pureza ideológica nesse caso, uma vez que a ideológica do empresariado é baseada na obtenção de ganhos financeiros, mas onde estão os interesses da sociedade e os interesses financeiros das empresas. Onde estão os limites nas entidades empresariais para debates sobre os rumos da economia e da sociedade versus interesses de supostas  lideranças ou de grupos que detém o poder e a chave do cofre?

 O debate sobre ética, aliás em geral cada um a define de acordo com sua visão, sua ideologia, seus interesses, sua religião, é interminável, mas sobrevive a versão que tem respaldo da maioria, inclusive respeitando a minoria. É um debate complexo, mas não se declara como ético algo que não se cumpre. Mais cedo ou mais tarde a conta vem. E as dúvidas nesse caso, como temos visto todo dia na vida empresarial, matam.

Sunday, 24 March 2019

DE MINAS PERDIDA

DE MINAS PERDIDA

Cesar esta nu, gritou o ator na famosa peça teatral, de que as crianças gostam tanto.

O excelente estudo sobre o impacto da crise na mineração de ferro em Minas Gerais, após o calamitoso desastre de Brumadinho que matou mais de 200 pessoas, e ainda continuam desaparecidas mais de 80, feito pela FIEMG, é no fundo isso: Minas Gerais nua. Segundo resumo executivo desse estudo,  a queda de produção mineral no Estado, em qualquer situação, vai provocar desemprego, quebra de empresas, situação social calamitosa, falta de matéria prima para as siderúrgicas, cuja produção vai afetar a cadeia minero-siderúrgica que inclui a indústria automobilística, entre outras e, em resumo, queda do PIB do estado neste ano em 6.5 %.

O anúncio, feito pelo próprio presidente da entidade na imprensa nacional e internacional, teve, junto com o desastre da situação fiscal e financeira  do estado, um efeito de bomba atômica. Minas não só esta quebrada hoje, mas vai precisar de muitos anos para  se recuperar, porque a sua espinha dorsal econômica está quebrada e é de difícil recuperação. Portanto, os investidores, de um lado já assustados com aspectos relacionados a meio ambiente, seus stakeholders não aceitam politicas irresponsáveis nesse setor do estado, se assustaram mais porque o estado não pode oferecer nada ao investidor a não ser caos social, econômico e financeiro. Pelo menos essa é a conclusão dos anúncios que foram feitos na imprensa junto com o estudo divulgado.

A primeira pergunta é por que as entidades empresariais mineiras não fizeram esse estudo após o desastre de Mariana. Será que é cego quem não quer ver? Falharam, seja por qual razão for, e o resultado esta aí.

Um segundo ponto é que o diagnóstico e o prognóstico da FIEMG não falam em soluções para reverter a situação. As sirenes continuam tocando, a população assustada, e os corpos enterrados ou desaparecidos. E quais são as soluções para reverter isso? Quem lidera esse processo? A FIEMG, as entidades setoriais ou o governo, que por sinal nem um diagnóstico como esse fez?

Para começar, nem tudo em Minas é desastre. Veja só os balanços da MRV e Localiza, start ups, economia do Sul de Minas e do Triângulo.

Depois, em Minas não faltam pessoas que possuem conhecimento para achar soluções e formatar um novo tempo. Já aconteceu no passado e foram encontradas soluções. Talvez o momento não havia sido tão trágico como agora, mas Minas e os mineiros acharam a saída.

O que falta é diálogo, que é o nome de Minas. Todos os atores envolvidos têm que dialogar para encontrarem soluções para a profunda crise por que Minas está passando. Não se pode impor opinião, interesses de um grupo de empresários ou de um setor sobre os interesses da sociedade. Agora, se todos estão conscientes da gravidade, por que não se unem e fazem um projeto de saída de crise e volta do crescimento? Por que será?

Sunday, 17 March 2019

DA JUSTIÇA MAL COMPREENDIDA

DA JUSTIÇA MAL COMPREENDIDA

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, corte mais alta da justiça brasileira, estão revoltados com as reações do povo brasileiro às suas atitudes, às suas decisões e a seu comportamento. Além de fazer declarações sobre a independência dos poderes, ameaça à democracia, porque ela só funciona com justiça independente e respeito a lei, e combate a fake news, notícias falsas, os ministros e as ministras estão indignados com a percepção do povo brasileiro a seu respeito.

E eles estão com razão. Com toda a razão. Porque eles nunca assistiram aos vídeos de seus julgamentos, suas falas, suas expressões faciais, corporais e verbais. O povo assiste, e como o povo sempre é ignorante e os onze ministros da corte são o supra-sumo de nosso conhecimento, nossa ética, nossos valores e nosso amor à justiça, o povo tira conclusões erradas a respeito deles, suas decisões e  seus julgamentos. Portanto, vamos educar o povo, dizer a eles que somos guardiães de sua democracia através de nossa independência. Somos, dizem os ministros, nas declarações da semana, poder, repito poder, independente.

A justiça é um complexo de compreensões que persegue a humanidade. Desde a justiça divina até a justiça dos homens, interpretada a gosto, interesse, compreensão de cada tempo, grupo político, donos do poder e até interpretações  pessoais.

Mas, a justiça dos homens que fica, e a história comprova isso, e que constrói umas sociedade democrática sólida, é aquela que atende através de uma estrutura jurídica executada pelo sistema judiciário e penal, não às minorias, mas à maioria de seu povo. Então, a independência do judiciário não é independência do povo que ele atende, de seus problemas, sua segurança jurídica, sua igualdade perante as lei e demais predicados da vida comum. Ser independente neste caso não quer dizer que tem que julgar interpretando a Constituição, contra a vontade do maioria do povo. E nem ficar ofendido quando o povo lhe diz que não concorda com as decisões.

E aí vem um outro problema da estrutura jurídica. A Constituição de 1988 permite tantas emendas e tantas interpretações que  estas criam uma confusão político-social-penal que se chama insegurança jurídica. E junto vão as nossas leis, que são novamente feitas para criar insegurança de interpretações e engordar os bolsos de defensores das leis, alguns deles  oriundos das mais altas cortes do país. O caos começa no Congresso, onde se fazem leis, e continua pelo judiciário, que na sua maioria procura ser justo, eficaz e democrático. Sem falar na execução das sentenças, interpelações eternas e um sistema econômico financeiro que gira em torno dessa confusão e complexidade jurídica. E com quase um milhão de presos, um sistema prisional dos piores do mundo.

Então, a revolta dos mais altos juízes da nação está certa. O errado é o alvo, o povo revoltado com a situação, com a insegurança jurídica que vivemos e ainda vamos viver por muito tempo.


Sunday, 10 March 2019

DA PARTITURA DE MINAS

DA PARTITURA DE MINAS

Acabaram de cantar as últimas marchinhas de carnaval. Mesmo cantadas  com imensa alegria na tristeza da tragédia de Brumadinho, elas são tocadas e cantadas de uma forma organizada. Cada instrumento tem sua função, cada músico sabe o que tocar e todos eles têm um maestro que os ajuda no ensaio e guia na apresentação. E imagina como isso funciona quando na Sala Minas Gerais, belíssima por sinal, toca a nossa Orquestra Sinfônica a 9ª Sinfonia de Mahler. Os aplausos no final são para o maestro, para a orquestra, pela execução de uma obra centenária claramente exposta na chamada partitura. E isso vale também para quando ouvimos os músicos mineiros, sejam do Sepultura, Skank, Milton Nascimento, Fernando Brant, Ary Barroso e tantos outros.

E na economia mineira, tem partitura?

Neste exato momento, cada um toca um instrumento de acordo com sua vontade de ouvir e tocar o que lhe interessa.

O Governo está iniciando a sua jornada sob imensa pressão de caixa, tornando essa questão sua absoluta prioridade. E nesse aspecto não conta com a colaboração dos políticos, que vivem reclamando e não conseguem por outro lado dar a sua contribuição. Por incrível que pareça, os setores sindicais colaboram mais do que os políticos. Os prefeitos reclamam, mas por outro lado não há uma prefeitura sequer em Minas que faça algum ajuste nas suas contas, sem falar da vergonhice que representam as câmaras de vereadores e a assembleia legislativa nos seus gastos, superando qualquer orçamento de educação e saúde no estado. E ninguém se mexe, só reclamam.

Por outro lado, o governo do estado não  tem nenhum plano de melhoria de gestão e nem de desenvolvimento econômico. Aliás, isso deveria ser feito antes de começar o governo, foi  feito em São Paulo. Se não tem plano, se não tem partitura, como fica a música? Um desastre. Se perguntar hoje a  qualquer integrante do governo mineiro quais as previsão do PIB do estado neste e nos próximos anos, não tem resposta. Pelo menos ninguém até agora falou nisso. Então, simplesmente, como vamos nos desenvolver, crescer, se não temos objetivo, rumo e prumo? Não temos plano estratégico num momento de  profunda transformação da economia.

As entidades empresariais, com honrosa exceção da agro, estão olhando para seu umbigo, defendendo seus interesses corporativos e os de suas lideranças, sem nenhum projeto para Minas Gerais a ser apresentado ao governo para criar parceria de desenvolvimento. A FIEMG, com orçamento de mais de um bilhão de reais, a FECOMERCIO, com outro tanto, sem falar nos transportes, serviços, SEBRAE, não são capazes de produzir, além de reivindicações, uma proposta no modelo do CRESCE MINAS na época do Itamar Franco, que deu a Minas um rumo no seu desenvolvimento através da introdução da metodologia de clusters. Empresários precisam levar projetos ao governo e não reivindicações. Mas o governo também precisa saber para onde vai e como.

A crise provocada por desastres na área mineral não pode cegar as necessidade de um plano de desenvolvimento. Ao contrário, a lição deve ser aprendida e aproveitada para uma nova fase.

Stefan Salej
Ex Presidente do SEBRAE Minas e da FIEMG
Vice Presidente do Conselho de Comércio Exteriore da FIESP
Coordenador adjunto do GACINT Grupo de análise da conjuntura internacional da USP