DE CARACAS CONFUSA
As notícias do desastre ecológico em Brumadinho, MG, e a tragédia humana que o acompanha, colocaram os acontecimentos em Caracas, capital da Venezuela, no segundo plano aos olhos do leitor brasileiro. Mas os acontecimentos de lá, como os de cá, ficarão na história dos dois países. Na Venezuela também se perdem vidas, por razões diferentes, e também estamos tratando de um país rico em recursos naturais, em especial petróleo e minério de ferro. Enquanto em Brumadinho a luta é dos brasileiros contra brasileiros, na Venezuela e na sua capital, Caracas, a situação é bem mais complexa.
A Venezuela foi na história, segundo o Embaixador Rubens Ricupero, a nação mais belicosa de todos os países latino-americanos. Lá, sempre se resolvia com espada, e não com negociação, o conflito. O Coronel Chávez, que com um golpe tomou conta do país no início do novo século, montou um modelo populista político de divisão de poder com as forças armadas. Algo nada novo, porque o modelo político de vários socialistas, como Tito, era o mesmo. No caso da Venezuela, os militares detêm o poder de fato com o domínio dos principais negócios do estado, legais e ilegais: a empresa petrolífera, o narcotráfico, o controle do câmbio e as transações com o exterior.
E aí tem outra curiosidade venezuelana: seu principal parceiro econômico são os Estados Unidos, contra os quais Chávez bravejava na ONU com a cruz na mão. Os EUA compram 500 mil barris de petróleo por dia. Na área de segurança interna, a maior parceria é com Cuba. Na área de armamentos, com a Rússia, na área de novo comércio, inclusive petróleo e empréstimos, é com a China. Sem falar da União Europeia, cujos interesses econômicos ultrapassam a sua capacidade de absorver a dívida. E falando em dívida, a Venezuela deve a todos, inclusive mais de 55 bilhões de dólares ao Brasil.
Verdadeira feijoada política. Os interesses tão diversos e múltiplos estão levando a manter Maduro no poder, independentemente do custo para o seu povo. O novo presidente, Guaido, reconhecido pelo Brasil, Estados Unidos, Colômbia e mais uma dúzia de países, é presidente no país sem o país. Ou seja, a Venezuela tem dois presidentes, um povo faminto nas ruas e militares mantendo o poder.
Na área militar, pode-se repetir o clássico latino-americano, inclusive o que levou Chávez ao poder: jovens oficiais apoiados pela população e soldados famintos tiram os corruptos generais do poder. E apoiam o jovem presidente Guaido e, quem sabe, convocam novas eleições. Maduro também pode convocar novas eleições. E se ele ganhar de novo, fraudando ou não, como fica a situação do país?
O destino do governo Maduro também será selado se os EUA deixarem de comprar ou pagar o petróleo que importam. Está lá até agora porque os Estados Unidos sempre mantiveram um relação comercial com ele. Em resumo, tem-se que achar uma solução, torcendo para que seja pacífica e satisfatória para todos. E isso efetivamente será muito, muito difícil. Troca pacífica do governo é só com eleição, fora disso, corre sangue.