A SIMPLICIDADE E COMPLEXIDADE DO BRASIL NO MUNDO
Há uma euforia enorme nos vários setores políticos e econômicos no Brasil, afirmando que o Brasil voltou. A interpretação dessa frase é que o mundo está alegre e feliz com o novo governo que dialoga e apresenta valores que a maioria dos países aceita. O fato é que a agenda externa está cheia: veio o Chanceler alemão, Lula foi à Argentina e ao Uruguai, veio a Ministra de Negócios Estrangeiros da França (o antecessor dela não foi recebido pelo Bolsonaro, que mandou foto cortando o cabelo no horário que havia marcou o encontro com ele), Lula vai aos Estados Unidos e depois à Índia e China e mais e mais. A Noruega e a Alemanha voltaram a investir no Fundo Amazônia e a imprensa mundial toma nota das ações do novo governo com uma atenção pouco vista nos últimos anos.
AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE UM PAÍS SÃO DE UMA COMPLEXIDADE INCRÍVEL E DE DIFÍCIL COMPREENSÃO PELO ELEITORADO. MAS ELAS SE RESUMEM A UMA SIMPLICIDADE COMPREENDIDA POR TODOS: A DEFESA DO INTERESSE NACIONAL. OU SEJA, QUALQUER POLÍTICA EXTERNA QUE GOVERNO LULA TIVER TERÁ QUE SE BASEAR NOS INTERESSES NACIONAIS.
E aí entra a questão crucial que é a definição dos interesses nacionais. Um belo exemplo disso é a compreensão distinta entre o governo e o público em geral sobre o anúncio de um empréstimo para a construção de um gasoduto na Argentina, durante a visita do Presidente Lula a Buenos Aires. Enquanto o governo entende que é do interesse brasileiro financiar e com isso criar emprego no Brasil e ter acesso a mais gás, a opinião pública se espanta e pergunta por que financiar lá, se há tanta necessidade de investir no Brasil.
Ou seja, a política externa tem que estar alinhada com a política interna. A do governo Lula nessa área é extensa e clara, atendendo ao que consideram que são os nossos interesses. E o principal interesse do Brasil é o aumento de suas exportações e de investimentos. A ação política e diplomática é a base dessa premissa, claro que incluindo aí outros itens de igual importância.
É uma maravilha para qualquer presidente visitar outro país, ser recebido com tapete vermelho e com guarda presidencial perfilada. Mas, a realidade, depois que sai do tapete vermelho é outra, é a mostra dos interesses recíprocos e antagônicos.
Na sua visita a Washington, devemos ter em mente como funcionam os Estados Unidos. Por exemplo, lembrar que temos mais de meio milhão de brasileiros lá e que quando são pegos na passagem ilegal da fronteira, são devolvidos ao Brasil acorrentados no voo, sejam crianças, adultos ou mulheres. Tudo dentro do melhor respeito aos direitos humanos. Também vale a pena lembrar do escândalo de espionagem da própria Presidente Dilma pelos serviços de inteligência norte-americanos na véspera da visita de estado (mais alto grau de visita presidencial). E o presidente lá era nada mais e nada menos do que Obama, democrata e querido por todos.
Talvez mais ilustrativa dessa relação foi a resposta que deu Robert Zoellick, alto funcionário do governo norte-americano americano e posteriormente presidente do Banco Mundial, quando reunido no Restaurante Maxim em São Paulo com cinco empresários e um banqueiro, na véspera de eleições presidenciais em 2002 ( Lula X José Serra): Gosto e respeito o José Serra. O trabalho que fez com remédios contra a AIDS e pelos genéricos em Doha (reunião de OMC naquele ano) foi extraordinário.Mas, Lula vai precisar mais dos Estados Unidos para governar do que o Serra.
No capítulo da vista aos Estados Unidos, está a postura do governo dos Estados Unidos com relação à permanência de ex-Presidente brasileiro lá. Ele está no território republicano da Flórida e com status não muito claro. O que convém hoje ao governo Lula, só Lula sabe. E se convém que o Bolsonaro fique por lá, Biden tem que estar de acordo.
Essa tônica de que o governo Lula precisa de apoio do exterior para se firmar na sua governabilidade é dúbia. Aliás, Lula foi claro na entrevista com o Chanceler alemão, dizendo que o Brasil está sim interessado em ser membro da OCDE, mas não como espectador, senão como ativo participante das decisões mais importantes. Neste item deve ser mencionada também a Amazônia. O mundo se preocupa com o meio-ambiente sim, com o pulmão do mundo, mas dentro de interesses deles (é só lembrar a expedição do ex-Presidente norte-americano Ted Roosevelt na década de 1920 à Amazônia).
Isso vale também para o acordo Mercosul-União Europeia. Sem dúvida alguma, esse acordo, por melhor que seja negociado pelos países do Mercosul, é fundamental para os europeus expandirem suas fronteiras econômicas e consolidarem suas posições. Portanto, como disse Presidente o argentino, no acordo, do jeito que está, estamos começando o jogo perdendo quatro a zero. Aliás, achar um equilíbrio de interesses nesse acordo e concluí-lo será a tarefa mais árdua da diplomacia brasileira neste ano, quando a melhor chance para fazer isso será durante a presidência espanhola do Conselho da EU e a do Brasil, no do Mercosul.
Nessa extensão de interesses brasileiros vale a pena prestar atenção no mapa abaixo. China, China, China. E aí está nosso principal parceiro de comércio exterior e de investimentos. Não só nosso, mas de toda a América Latina. A visita presidencial a Beijing vai determinar o nosso futuro e principalmente se a proposta de uma acordo entre Mercosul e China for adiante. E se a isso se adicionar a nossa participação nos BRICS, temos uma reviravolta histórica. E como os Estados Unidos tem uma relação concorrencial com China, podem estar efetivamente preocupados com a mínima chance de essa ideia se realizar.
Nesse tabuleiro faltam muitas peças, como nossas relações com os países da América Latina, a reativação do Celac e da Unasul, com a África e com o Leste Asiático como um todo. E, na transversalidade, a nossa posição em relação ao conflito armado entre Rússia e Ucrânia, Oriente Médio, direitos humanos entre outros.
Mesmo que no Brasil o único lobby organizado para influenciar a política externa seja de empresários, sendo a participação de outros atores, como partidos políticos e sociedade civil, pífia, há neste momento dois elementos fundamentais para termos a tranquilidade de que a política externa vai estar alinhada aos interesses do Brasil: a alta qualidade de diplomacia brasileira, ou seja, o Itamaraty, e um Presidente que sabe onde fica o mundo e o Brasil neste mundo. Mas nunca é demais lembrar que se os eventos na área externa não forem bem entendidos pelo eleitorado, por melhores que sejam os resultados que apresentem, tornam se prejudiciais ao invés de se adicionar às vitórias.