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Wednesday, 22 March 2023

 DO GUARDA CHUVA E DO SEU DINHEIRO

 

Bernardo, filho do meu amigo, era aos oito anos um menino que ficou na memória da família, não porque chorava para ganhar sorvete, mas porque, ouvindo o tempo todo que MFM, Montepio da Família Militar, quebrou e todo mundo ficou sem dinheiro, chorou porque queria saber onde estava o dinheiro da sua poupança. Até que a mãe o levou à Caixa Econômica Federal, onde o caixa mostrou para ele o dinheiro da caderneta de poupança. Dinheiro vivo. Bernardo ficou feliz, estudou MBA nos Estados Unidos e ficou por lá, tornando-se diretor financeiro de grandes corporações.

 

Na outra ponta se dizia que banco só abre guarda-chuva no dia do sol. Ou seja, quando chove, banco não dá guarda-chuva. O Banco Nacional, que era patrocinador do Ayrton Senna, (as pessoas usam o boné com a marca do banco até os dias de hoje) dizia que dava guarda-chuva em qualquer tempo. Quando precisaram do banco, o guarda-chuva sumiu. E dizem agora, cash is king. O dinheiro está caro e, com esses juros no Brasil, ainda mais. 

 

E por estes dias quebrou, nos Estados Unidos o Bank of Silicon Valley, banco das start ups. Advertido pelas autoridades monetárias várias vezes por irregularidades na gestão, os diretores não se abalaram. Jogaram os avisos no lixo, até que o próprio banco foi para lixo. E o sistema ficou abalado.

 

Na Suíça, há vinte anos se discute a gestão do segundo maior banco, o Crédit Suisse, até que ele, também abalado, foi adquirido pelo maior concorrente, o UBS, sob a direção segura das autoridades monetárias suíças. E com isso milhares de brasileiros que têm dinheiro lá ficaram aliviados, porque o dinheiro na Suíça só tem como garantia a boa gestão e nenhuma proteção do governo suíço. E como há mais de 500 bilhões de dólares de poupança de brasileiros no exterior, é bom pensar o que garante esse dinheiro. Aliás, é bom lembrar os depósitos de judeus nos bancos europeus antes da guerra, que sumiram durante a guerra, mesmo para quem sobreviveu o holocausto.

 

A questão é quanto os poupadores são protegidos contra má gestão, roubalheira e similares no sistema econômico. Pelo jeito, nos Estados Unidos o sistema de controle funcionou, mas mesmo assim mostrou muitas falhas que poderiam ter sido sanadas a tempo para evitar o problema. Na Suíça, gastaram vinte anos com uma tolerância ímpar com a gestão de Crédit Suisse para, um minuto antes da meia noite, darem uma solução. E na solução foram perdidos 17 bilhões de dólares de investidores.

 

No Brasil temos o caso da Lojas Americanas, 8 bilhões de dólares, que anos a fio paga mal os seus fornecedores, quebra-os sem dó. E os bancos não sabiam de nada? A autoridade de controle do mercado, a Comissão de Valores Mobiliários, analisava os balanços e também não viu nada? E os donos? Esses nem merecem menção.

 

Você tem um outro caso de cegueira econômica. O metrô de São Paulo, sob concessão, está todo santo dia funcionando mal. Conseguem até bater um trem no outro, coisa que nem na época da maria fumaça acontecia. E o poder público diz que mandou aviso e multou. E daí? Os trens continuam não funcionando.

 

Se a isso se adicionar a insegurança quanto a assalto, violência no trânsito e exacerbação política, desastres naturais provocados também pela negligência governamental, chegamos à pergunta: como somos protegidos pelo estado? No caso brasileiro especificamente os órgãos de controle controlam muito, mas dentro do princípio de que enxergam os detalhes, punem os pequenos e para os grandes há sempre uma solução. Claro que há exceções, como foi o caso das joias na alfândega brasileira, que tão somente confirmam a regra.

 

A democracia pressupõe o estado protegendo o cidadão. E por isso o estado precisa ser eficaz na chamada law enforcement, aplicação da lei. Caso contrário, a democracia se enfraquece.

 

 

 

 

 

 

 

Monday, 13 March 2023

 DAS NUVENS NA POLÍTICA E DAS TROVOADAS COM GRANIZO NA ECONOMIA

 

Dizem os políticos mineiros que a política é como as nuvens: você olha agora e vê um céu coberto de nuvens, daí a pouco está tudo claro. Na política, a percepção do fato é diferente da percepção do mesmo fato na economia. E no Brasil, onde temos uma economia muito dependente do exercício da política em diversos níveis e em especial na área governamental, pode-se dizer com tranquilidade que os políticos fazem nuvens, ficam nas nuvens, mas o que cai das nuvens, até neve já temos, cai na cabeça do povo, e se chama economia.

 

A máxima de que o mundo está perturbado e complexo é de uma simplicidade ímpar. O mundo sempre foi complexo e nos fazemos parte dele. Mas a definição de mundo se resume, para nós que estamos no Brasil, ao Brasil. Neste exato momento, no mundo da economia, todo mundo quer saber qual o prumo e qual o rumo que os políticos, seja o congresso ou o governo, vão imprimir ao país. E aí algumas versões estão ficando claras ao ponto de todo mundo ficar ainda mais confuso.

 

Primeiro, que as políticas sociais são a base de toda a ação econômica do governo. Ou seja, bolsa familia, aumento de salário mínimo, minha casa, minha vida e mais alguns programas nessas linhas serão suficientes para fazer o país crescer.

 

Em segundo lugar, que a governabilidade está acima de tudo porque sem ela o governo pode cair. Então, para se manter no governo e conseguir seus objetivos, o custo não importa. O fatiamento da gestão entre vários atores políticos, tão diversos na suas crenças e valores mas todos unidos em usufruir do poder, pode facilitar o coalizão política, mas enfraquece totalmente os resultados na governabilidade econômica. As lideranças políticas cuidam da gestão de seus interesses e não dos projetos que levam ao desenvolvimento. Não há também definição clara nem de objetivos e nem de táticas a serem implementadas. Cada um faz o que quer, do jeito que quer. O exemplo mais eclatante disso é o do criador de cavalos no ministério de comunicações, uma área fundamental no desenvolvimento. Desde que contribua para a governabilidade, pode fazer o que quiser, inclusive não fazer nada, que desenvolve o país.

 

O próximo item é a reforma tributária. Um esforço gigantesco que tem que ser feito. Absolutamente normal que os interesses seja diversos e adversos. Mas, tem que ter uma batuta que ponha ordem nesses interesses, em especial na área empresarial. E aí, pela experiência anterior, todos olham para o seu bolso e ninguém olha para o bem comum. Nesse tipo de processo não há como só ter derrotados ou só vencedores. Todos perdem um pouco, para todos ganharem muito. E aí o governo não pode gastar capital político agora com assuntos menores porque vai precisar dele para a negociação final. E no meio das entidades empresariais não há só divergência sobre temas fiscais, há forte presença de populismo bolsonarista. É só lembrar a adesão da entidade empresarial industrial mineira com promessa de um ministério.

 

Há certa inquietação quanto à cobertura que o governo vai dar às invasões do MST e outros movimentos radicais. A invasão das fazendas da Suzano acende um sinal vermelho para qualquer empresário no Brasil e no exterior. Produtiva, e a Suzano é, ou não, propriedade privada ou pública, tem que ter a guarita da lei. E a lei tem que ser cumprida. Quando o governo não age, não é só  falar, é agir, a confiança cai, o investimento cai, a  produção cai. E isso está acontecendo na área rural. O episódio do Carnaval Vermelho em Mato Grosso ficou na cabeça dos produtores e, queiramos ou não, corre-se o risco da produção agrícola, independentemente das variações do mercado internacional e da vaca louca, cair. Só se planta se houver mercado e segurança. Senão, não se  planta. Simples. E na roça se diz que quem foi mordido por cobra tem medo de barbante.

 

Um outro elemento de preocupação é o que está acontecendo no varejo. O efeito Americanas está sendo totalmente subestimado. Nem os bancos conseguem reverter a situação na qual está claro que tudo está sendo feito para proteger os acionistas majoritários e deixar na chuva os trabalhadores, fornecedores, bancos e todos os demais. Ninguém do governo está percebendo o efeito dominó que a solução em curso está tendo, não só na cadeia de suprimentos, mas em todo o varejo, que está balançando mais do que árvore no vendaval. As vendas estão caindo e a pergunta é, quem serão os próximos. Não quem será, mas quem serão.

 

A questão da inflação e dos juros, ataques ao Banco Central, fazem parte da cartilha. 400 % de juros no cartão de crédito são indecentes. Com a crise das Americanas, o crédito ficou escasso e caro. E ataques do governo ao BC, e mudança da diretoria no meio do mandato, mostram que governo está matando o mensageiro, mas não sabe ou não quer resolver o problema. O dragão da inflação é um assunto muito sério, os juros são uma parte da situação, e corrói todas as conquistas sociais.

 

 

Quanto ao mundo e nossa relação com ele, é bom que tenhamos uma relação política, mas que leve a uma relação econômica que contribua para o nosso desenvolvimento. Se estamos, por razões de velha  amizade e antiga admiração pessoal, apoiando Daniel Ortega na Nicarágua, estamos dizendo aos brasileiros que estamos de acordo com o que ele faz. Ou seja, faz o que Hitler fazia, o que Tito vez com a minha familia na Iugoslavia: se estiver em desacordo com meu governo, sai e perde a cidadania e os bens. Bem, se eu apoio esse tipo do governo, então eu acho isso está certo e rola de maneira maluca nas nossas cabeças que vale também para as invasões no Brasil.

 

Aplicar a reciprocidade nos vistos com os Estados Unidose e outros é  irracional do ponto de vista econômico. A dignidade nacional não fica melhor porque eles têm que ter visto para vir ao Brasil. Ao contrário, ao estarmos abertos é que somos mais dignos e soberanos.

 

Desafios de hoje geram soluções de amanhã. O tempo da escuridão em que vivíamos, mesmo com joias brilhando como lanterna na caverna de Ali Babá, não devem permitir que as nuvens que os políticos dominam, façam de novo outro tipo de escuridão ou então que caia granizo nas nossas cabeças. A política é guia da economia, mas não pode ser sua destruição.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Monday, 6 March 2023

DO “IN VINO VERITAS”


 

A expressão, no vinho está a verdade, cabe feito uma luva na hora que três das mais importantes vinícolas brasileiras são acusadas de práticas ilegais no trato de seus trabalhadores. As vinícolas usam mão de obra temporária durante a vindímia, que no Brasil ocorre no início do ano, e essa relação é complexa no mundo inteiro. Os trabalhadores vêm por um período muito curto, com trabalho muito intenso, e em geral mal pago. Aliás, os antecestrais dos que hoje dirigem as vinícolas vieram da Itália nessas condições. O mesmo acontece com a colheita de café. Há cem anos atrás vinham navios com imigrantes para essa finalidade. Alguns ficaram no Brasil e outros voltaram para a Europa.

 

As cenas apresentadas na TV são chocantes. Aliás, não é o único caso apresentado de trabalho escravo no Brasil. Temos quase tradição, em algumas áreas, desse tratamento. Às vezes isso aparece, mas na maioria dos casos e em especial longe de centros urbanos, fica escondido até um ou outro caso aparecer em público.

 

No caso gaúcho, há de se perguntar se a prática de trazer os trabalhadores para a vindíma de um lugar distante a mais de 3 mil km, só aconteceu este ano, ou só foi descoberta este ano. Por outro lado, as três empresas acusadas são tradicionais. Uma delas é centenária e o quinto maior exportador de espumantes para os Estados Unidos. As outras duas foram fundadas há noventa anos. E também são exportadoras. Aliás, 60 % das  vinícolas brasileiras estão na Serra Gaúcha, que produz 90 % de vinho no Brasil. 

 

O vinho brasileiro é exportado para 53 países, quase 13 milhões de litros no ano passado, e  ganhou inúmeros prêmios internacionais. Tanto o consumo interno como a exportação têm crescido. 50 milhões de brasileiros bebem vinho, ou seja, a   média per capita é de mais de 2 litros por ano.

 

Apesar de que o brasileiro rico prefere vinhos importados, que têm um mercado aberto e lucrativo no Brasil, o vinho brasileiro, com ajuda da Embrapa e muitos investimentos, melhora de qualidade a cada ano. No ano passado, o consumo, que  cresceu muito durante a epidemia, caiu: 6.2% para vinhos importados e o dobro, 12.8 % para vinhos nacionais. 

 

Ou seja, a desgraça nunca vem sozinha. Que o episódio apresentado e apimentado com declarações xenofóbicas de um vereador da região vinícola gaúcha, tem consequências para as três empresas, tem. A pergunta que não teve resposta é, isso acontecia e ninguém viu? Os dirigentes de empresa, sua área gerencial, o pessoal da Embrapa que vive nas vinícolas, clientes que inspecionam, turistas que visitam durante vindímia as vinícolas, todos com olhos e ouvidos fechados? E aconteceu em outras empresas? Deu ruim. Não ficou bem e ninguém esclareceu nada. Aliás, a gloriosa PRF, que era tão ciosa de suas funções durante as eleições, não vê o transporte dessas pessoas num trajeto de 3 mil quilômetros?

 

As rainhas do vinho com seu charme visitavam presidentes da república e promoviam vinhos gauchos. E os negócios mesmo com dificuldades iam bem. O fato é que episódios como esse, quando se trata do produto final, acabam com a história bem sucedida e trabalhosa, num piscar de olhos. Acidentes com pizzas da Nestlé na França, leite para crianças da Lactalis, também na França, vinhos austríacos que usava sulfato venenoso para “melhorar “ a qualidade ou acidentes como de Brumadinho e Mariana, custam muito para o consumidor, a sociedade e as empresas.

 

Os valores morais e éticos dos consumidores, em especial mais jovens, evoluíram, e são mais rigorosos. As empresas, aliás na área de mineração está sendo feito isso mais recentemente, têm que  incluir na sua gestão também esses valores. Se assistir o filme Vindima, em espanhol sobre como eram tratados os trabalhadores emigrantes italianos quando chegaram ao Brasil e à Argentina, fica a pergunta, os herdeiros não apreenderam nada?