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Thursday 31 January 2019

DA CARACAS CONFUSA


DE CARACAS CONFUSA

As notícias do desastre ecológico em Brumadinho, MG, e a tragédia humana que o acompanha, colocaram os acontecimentos em Caracas, capital da Venezuela, no segundo plano aos olhos do leitor brasileiro. Mas os acontecimentos de lá, como os de cá, ficarão na história dos dois países. Na Venezuela também se perdem vidas, por razões diferentes, e também estamos tratando de um país rico em recursos naturais, em especial petróleo e minério de ferro. Enquanto  em Brumadinho a luta é dos brasileiros contra brasileiros, na Venezuela e na sua capital, Caracas, a situação é bem mais complexa.

A Venezuela foi na história, segundo o Embaixador Rubens Ricupero, a nação mais belicosa de todos os países latino-americanos. Lá, sempre se resolvia com espada, e não com negociação, o conflito. O Coronel Chávez, que com um golpe tomou conta do país no início do novo século, montou um modelo populista político de divisão de poder com as forças armadas. Algo nada novo, porque o modelo político de vários socialistas, como Tito, era o mesmo. No caso da Venezuela, os militares detêm o poder de fato com o domínio dos principais negócios do estado, legais e ilegais: a empresa petrolífera, o narcotráfico, o controle do câmbio e as transações com o exterior.

E aí tem outra curiosidade venezuelana: seu principal parceiro econômico são os Estados Unidos, contra os quais Chávez bravejava na ONU com a cruz na mão. Os EUA compram 500 mil barris de petróleo por dia. Na área de segurança interna, a maior parceria é com Cuba. Na área de armamentos, com a Rússia, na área de novo comércio, inclusive petróleo e empréstimos, é com a China. Sem falar da União Europeia, cujos interesses econômicos ultrapassam a sua capacidade de absorver a dívida. E falando em dívida, a Venezuela deve a todos, inclusive mais de 55 bilhões de dólares ao Brasil.

Verdadeira feijoada política. Os interesses tão diversos e múltiplos estão levando a manter Maduro no poder, independentemente do custo para o seu povo. O novo  presidente, Guaido, reconhecido pelo Brasil, Estados Unidos, Colômbia e mais uma dúzia de países, é presidente no país sem o país. Ou seja, a Venezuela tem dois presidentes, um povo faminto nas ruas e militares mantendo o poder.
Na área militar, pode-se repetir o clássico latino-americano, inclusive o que levou Chávez ao poder: jovens oficiais apoiados pela população e soldados famintos tiram os corruptos generais do poder. E apoiam o jovem presidente Guaido e, quem sabe, convocam novas eleições. Maduro também pode convocar novas eleições. E se ele ganhar de novo, fraudando ou não, como fica a situação do país?

O destino do governo Maduro também será selado se os EUA deixarem de comprar ou pagar o petróleo que importam. Está lá até agora porque os Estados Unidos sempre mantiveram um relação comercial com ele. Em resumo, tem-se que achar uma solução, torcendo para que seja pacífica e satisfatória para todos. E isso efetivamente será muito, muito difícil. Troca pacífica do governo é só com eleição, fora disso, corre sangue.


Sunday 20 January 2019

DA CHINA AMIGA, INIMIGA E PARCEIRA


DA CHINA AMIGA, INIMIGA E PARCEIRA

Não vamos brincar com a China. Eles sabem o que querem, quando e como. Podem ser impacientes num momento, mas não são a longo prazo. E não improvisam. Tudo é estudado, planejado e organizado.

Por isso, a viagem dos incautos futuros parlamentares do partido do Presidente da República, a convite e, pelo que consta, com despesas pagas, da maior empresa  mundial de tecnologia de telecomunicações, Huawei, nada tem de improvisado, a não ser os parceiros brasileiros. Os chineses meteram a faca no coração da política brasileira, no segundo maior partido no Congresso Nacional. Criaram, como os próprios deputados gritando de Beijing disseram, um grupo de China no seio do partido que governa o Brasil. E voltaram, após os ataques que receberam, maiores amigos do regime, da tecnologia e da empresa, no Brasil. E os chineses rindo à toa, porque tudo isso custou alguns centenas de milhares de dólares, muito mais barato do que qualquer propina que estariam dispostos a pagar. Ganhos políticos incomensuráveis, além de comerciais. Jogada de mestre jamais vista por qualquer outro país.

Nesse meio tempo, a China também anunciou que vai comprar mais soja nos Estados Unidos, para aliviar o conflito comercial, e menos no Brasil. Aliás, a pergunta é, onde nos encaixamos no crescimento da China, que está saindo de potência emergente para potência que forma com os Estados Unidos o mundo bipolar? Haverá espaço na nossa política para contemporização com os dois lados, enquanto cada um vai exigir, para obtermos reciprocidade, a fidelidade?

Nós achamos que entendemos bem os Estados Unidos, onde há 18 centros de estudos sobre Brasil, sendo que no Brasil tem um sobre os Estados Unidos.

E de China? Está claro nas nossas políticas até quando a China vai precisar de nossas matérias primas e de nossos produtos  agrícolas? E, como a China vive de exportação, está claro que só vamos vender se permitirmos sem restrições a entrada e saída de capitais chineses e entendermos que os tempos da Feira do Paraguai, que vendia produtos chineses de má qualidade, acabou? Os chineses são hoje lideres em tecnologia, inteligência artificial, internet, telecomunicações, automatização industrial. É esse o mercado que eles querem e de que precisam para comprar soja e minério de ferro.

E aí entra de novo a viagem dos incautos. Huawei é líder no segmento de 5 G, tecnologia mais avançada em telecomunicações. E líder em sistemas de segurança, como vigilância e ciber-segurança. Implementaram isso na Venezuela e no Equador. E estão tendo limitações para operar em vários países. E aí, no Brasil, nos vamos adotar a tecnologia deles apesar dos protestos dos Estados Unidos?

A China representa um modelo político que é diferente do modelo dos Estados Unidos. Onde esses dois modelos conflitam na liderança mundial e onde ficamos nós com pragmatismo comercial, tentando salvar a pele, é outra questão. Sem dúvida, se não tivermos claros os nossos objetivos, seremos simplesmente peão no jogo de xadrez, agora de novas disputas.

Friday 18 January 2019

DOS MUROS E MURROS


DOS MUROS E MURROS

A notícia das últimas três semanas é a disputa entre o Presidente  Trump e o Congresso dos Estados Unidos sobre a construção de um muro na fronteira sul, entre o México e os Estados Unidos. Uma bagatela de 20 bilhões de reais que, num orçamento de trilhões do país mais rico do mundo, não faria nenhuma diferença financeira. A disputa é outra: de um lado o Presidente, que durante a campanha prometeu o muro, e não o fez durante o pleno domínio do seu partido (Republicano) no Congresso, e do outro lado o Congresso recém empossado, com maioria democrata, que acha o muro desnecessário. E essa disputa paralisou os serviços do governo. Mais de 800 mil funcionários públicos estão em casa, sem trabalhar e sem receber. Os serviços essenciais, como de segurança nos aeroportos e controle de voos, estão ameaçados. Os funcionários, sem receber, não pagam as contas, nem de alimentação, nem prestações da casa. Em resumo, o mais longo período da história norte-americana de fechamento do governo, isso inclui os serviços no exterior, como emissão de vistos, não tem data para terminar, mas tem que terminar porque está, junto com a guerra comercial com China, já afetando o crescimento da economia norte-americana. E quando isso acontece, ninguém nos Estados Unidos come vidro e nem rasga dinheiro.

Mas,  o exemplo do muro, alias já construído em várias partes da fronteira entre México e Estados Unidos, levanta a questão de muros que existem neste nosso mundo. Se não levarmos em consideração a charge onde, na Muralha da China, o Presidente Trump pergunta ao colega chinês Xi se ele também tem problemas com os mexicanos, o fato é que a construção de muros para proteger os países não tem nada de novo na história da humanidade. Hoje atração turística, a Muralha da China foi construída no século VII a.c. contra a invasão de tribos da Eurásia e, em especial, invasões dos mongóis.

O mais famoso muro do século passado foi o Muro de Berlim, dividindo as duas Alemanha, do Leste e Oeste, artificialmente construídas após a Segunda Guerra Mundial. E a queda de Muro de Berlim, hoje capital da Alemanha reunificada, foi a queda dos regimes socialistas do Leste Europeu, começando com a própria União Soviética.

Há vários  tipos de muros que nos rodeiam. No Brasil há comunidades onde as pessoas, por questões de segurança, criam barreiras ou até muros que os separam do resto. Sejam de um lado as de favelas como o Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, ou as  de Alphaville dos ricos na grande São Paulo. São muros que representam a exclusão ou o isolamento social. São verdadeiros guetos, aliás estes possuíam muros desde que foram inventados para separar os judeus dos cristãos no século XV, onde as pessoas se isolam dos outros.

O dilema de nos fecharmos entre muros ou vivermos mais uns com os outros apareceu  com toda força nas sociedades de hoje. Mais abertura ou mais fechamento. E o Brasil, mesmo sem construir muros nas fronteiras, vive esse dilema, com toda a força que a democracia que temos nos impõe.

Stefan Salej

Sunday 6 January 2019

DA IMPORTÂNCIA DA VENEZUELA


DA IMPORTÂNCIA DA VENEZUELA

Definitivamente, o Brasil no momento só tem um problema grave na sua política externa: a Venezuela. Por isso é de suma importância a viagem do novo Chanceler Embaixador Ernesto Araújo, um dia depois de tomar posse e encontrar o Secretário de Estado dos Estados Unidos, para o encontro do Grupo de Lima, 14 países do continente que procuram uma solução para a situação venezuelana. E essa situação tem data certa para ser ou não resolvida:10 de janeiro, quando começa o novo mandato do atual Presidente Maduro.

A situação venezuelana tem o nome do seu padrinho e sustentáculo cravado em letras douradas: a política externa do governo do PT. Chávez, o presidente que introduziu o bolivarismo, um socialismo que ele intitulava Socialismo do Século 21, apareceu já no governo FHC. Enquanto os europeus estranhavam as atitudes do exótico coronel, FHC tolerava e dizia que podia controlar eventuais excessos. Em 2002, com a entrada de Lula no governo brasileiro, iniciou-se um golpe de estado que praticamente derrubou Chávez e seu socialismo. Mas, sob coordenação do então Chanceler brasileiro Celso Amorim e sob os auspícios do Assessor Internacional do Presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, fizeram um grupo de amigos da Venezuela que abafou o golpe e manteve Chávez no poder. Sem essa intervenção brasileira, não teríamos  nem Chávez, nem Maduro e nem caos e crise humanitária na Venezuela.

Com a bonança dos preços de petróleo, o governo Chávez teve dinheiro para gastar à vontade e atendeu bem todos os interesses. Deu aos militares a área do narcotráfico, bem descritos em todas as séries sobre narcos no Netflix, compras de equipamentos militares do mundo inteiro e mais o controle da base da economia venezuelana: petróleo e sua empresa PDVSA. Assim, criou-se um modelo político-militar que empurrou o país para a ditadura e o caos social, usando instrumentos aparentes de democracia, como eleições manipuladas e opositores presos, para se manter no poder.

O Brasil, com suas empreiteiras corruptas, aliou-se a esse modelo e deu apoio político à sua expansão, através da Aliança Bolivariana na América Latina. Sobrepôs-se aos Estados Unidos e à Europa leniente e garantiu Chávez e depois Maduro no poder. Assim, a Venezuela hoje deve ao Brasil incobráveis 55 bilhões de dólares.

A população brasileira só se deu conta do problema com a chegada de refugiados venezuelanos a Roraima. Mas, este é o menor dos problemas. Pior é a aliança da Venezuela com a Rússia e a China, que confronta diretamente a esfera de influência norte-americana no continente.

E, sem dúvida, a Declaração de Lima, que condena o regime de Maduro e prevê sanções, menciona pela primeira vez com clareza as pretensões venezuelanas sobre o território da Guiana. E nada melhor para um regime podre e falido do que reunir seu povo ao provocar um conflito armado. Maduro e seus militares precisam de algo mais para se manter no poder e um conflito com a Guiana, rica em recursos naturais, pode oferecer essa oportunidade.

O problema é que isso acontece na nossa fronteira. E o conflito militar não seria um conflito regional, mas, de um lado Venezuela, China e Rússia, e de outro lado Brasil e Estados Unidos. Uma loucura que está sendo evitada pela diplomacia brasileira, mas que está longe de ser irreal. Uma herança da política externa dos governos petistas das mais malditas.